ARTIGO CIENTÍFICO

Agricultura orgânica e convencional em Santa Catarina: Análise comparativa dos produtores

Organic and conventional farming in Santa Catarina state, Brazil: Comparative analysis of producers

Rosaura Gazzola1; Eliane Gonçalves Gomes2; Geraldo da Silva e Souza3; Alcido Elenor Wander4*

1Doutora, Engenheira Agrônoma, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), rosaura.gazzola@embrapa.br; 2Doutora, Engenheira Química, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), eliane.gomes@embrapa.br; 3Doutor, Matemático e Economista, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), geraldo.souza@embrapa.br; 4Doutor, Engenheiro Agrônomo, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Santo Antônio de Goiás-GO, Fone +55 62 3533-2210. alcido.wander@embrapa.br.

Recebido para publicação em 01/05/2016 aprovado em 20/11/2017

Resumo: Objetivou-se descrever os estabelecimentos agropecuários de produção orgânica em comparação com os estabelecimentos convencionais no estado de Santa Catarina, Brasil. A comparação foi feita utilizando-se os microdados do Censo Agropecuário de 2006. A análise de qui-quadrado efetuada com os dados mostra que somente num parâmetro não há diferença entre agricultores convencionais e orgânicos. O tamanho da família com até 2 pessoas é igual entre convencionais e orgânicos. Encontraram-se diferenças estatísticas dentre convencionais e orgânicos nos seguintes parâmetros: sexo, domicílio, renda média mensal, propriedade da terra, uso do crédito agrícola, associação a cooperativas, uso da área pelos estabelecimentos, escolaridade e anos de experiência.

Palavras-chave: Dados regionais; Medidas econômicas regionais; Renda.

Abstract: This paper makes a comparison between the conventional and the organic farms of the state of Santa Catarina, Brazil. The comparison was made using the microdata from the 2006 Agricultural Census. The chi-square analysis showed that only one parameter does not differentiate between conventional and organic farmers: family size with up to 2 people. In this parameter there are no statistical differences between conventional and organic. There were statistical differences between conventional and organic farms in the following parameters: sex, domicile, average monthly income, land ownership, use of agricultural credit, membership at cooperatives, use of the area by establishments, schooling and years of experience.

Key words: Regional data; Economic regional measurements; Income.

INTRODUÇÃO

Agricultura orgânica, segundo a FAO/OMS (1999) é um sistema holístico de gestão da produção que fomenta e melhora a qualidade do agroecossistema (em particular, a biodiversidade), dos ciclos biológicos e da atividade biológica do solo. Os sistemas de produção orgânica se baseiam em normas de produção específicas e precisas, cuja finalidade é obter agroecossistemas que sejam sustentáveis dos pontos de vista social, ecológico, técnico e econômico. O conceito de sistema orgânico de produção abrange os denominados ecológico, biodinâmico, natural, sustentável, regenerativo, biológico, agroecológico e a permacultura (FAO, 2013).

Para o IBGE (2014) agricultura orgânica é a prática de produção agropecuária que não utiliza insumos artificiais (adubos químicos, agrotóxicos, organismos geneticamente modificados e outros).

Em novembro de 2012, o Estado brasileiro instituiu a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (BRASIL, 2012) com o objetivo de integrar, articular e adequar as políticas, programas e ações indutoras da transição agroecológica e da produção orgânica. Porém, anteriormente, no ano de 2007 foi publicado o Decreto 6.323 (BRASIL, 2007) que regulamentou a Lei 10.831 de 2003 (BRASIL, 2003), a qual dispõe sobre a agricultura orgânica. No decreto foram disciplinadas todas as atividades pertinentes ao desenvolvimento da agricultura orgânica.

Um olhar mais detalhado no mercado de orgânicos permite verificar que os produtores estão sendo confrontados com centenas de selos, indicações, normas, regras etc. Em função disto, a IFOAM (International Federation of Organic Agriculture Movements), a FAO (Food and Agriculture Organization) e a UNCTAD (United Nations Conference on Trade and Development) uniram forças para procurar soluções para este problema e formou a Força-Tarefa Internacional sobre Harmonização e Equivalência em Agricultura Orgânica (ITF) (FAO, 2014). O objetivo foi abordar e buscar soluções para barreiras comerciais decorrentes dos muitos padrões diferentes, regulamentos técnicos e requisitos de certificação que funcionam no setor orgânico. O reconhecimento mútuo e equivalência entre os sistemas é extremamente limitado. A multiplicidade de padrões, requisitos de certificação e regulamentos são considerados um dos maiores obstáculos para o desenvolvimento contínuo do setor orgânico, especialmente para os produtores dos países em desenvolvimento (FAO, 2014).

No estado de Santa Catarina, o valor total da produção orgânica representou em 2012, conforme os autores Zoldan e Mior, R$12.656.547,31. O valor da produção é alcançado pelo total de agricultores orgânicos em todo estado (603). Este valor é 0,07% do Valor Bruto da Produção do Estado, o qual foi de R$19.135.676.225 em 2012, segundo o Ministério da Agricultura (MAPA, 2014).

Estes autores, ao estudar o universo de orgânicos do estado de Santa Catarina, acreditam que ao lado da crescente preocupação dos consumidores com questões relativas à saúde, a maior consciência acerca da problemática ambiental deverá exercer pressão para que o “mundo” repense a maneira como os alimentos estão sendo produzidos. E que esta atitude vai proporcionar as condições para ampliar as bases do conhecimento em direção a produtos e serviços mais sustentáveis, onde a produção e o comércio dos orgânicos deverão ganhar espaço (ZOLDAN; MIOR, 2012).

Conforme o Organicsnet (2013), a agricultura orgânica brasileira fechou o ano de 2013 com 6.719 produtores e 10.064 unidades de produção orgânica. Deste total, 1.896 (28,2%) produtores e 3.165 (31,4%) unidades produtivas, ou seja, praticamente 1/3, estão localizadas nos três estados do Sul (Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina). Este montante de produtores e unidades produtivas teve um aumento de 22% com relação ao ano de 2012, pois naquele ano o Brasil contava com cerca de 5,5 mil produtores agrícolas que trabalhavam segundo as diretrizes dos sistemas orgânicos de produção.

Barbosa e Sousa (2012) acreditam que a conjuntura favorável apresentada no mercado externo de orgânicos, impulsionou a produção brasileira, já que 60% da produção brasileira tem como destino a exportação e abrange produtos como carnes, leite e derivados, mel, soja, açúcar e arroz. Considerados os estabelecimentos agropecuários recenseados no Brasil em 2006 (5.165.636), aproximadamente 1,75% praticavam agricultura orgânica (BARBOSA; SOUSA, 2012).

Em Santa Catarina, grande variedade de produtos orgânicos é produzida e comercializada. Destacando-se os produtos hortícolas, que respondem por quase metade do valor total da produção. O principal produto orgânico comercializado é a alface, no valor total de R$ 2,8 milhões e representa 22,4% do total comercializado. (ZOLDAN; MIOR, 2012).

Diante desse contexto, notou-se a necessidade de conhecer o universo da agricultura orgânica, as possibilidades, as características de ser produtor de orgânicos. Para isto, objetivou-se descrever os estabelecimentos agropecuários de produção orgânica em comparação com os estabelecimentos convencionais no estado de Santa Catarina.

MATERIAL E MÉTODOS

A amostra da pesquisa é o Censo Agropecuário de 2006, ou seja, todos os estabelecimentos agropecuários do Estado de Santa Catarina.

Santa Catarina tem 295 municípios com uma área territorial de 95.737,954 Km2, ocupado, segundo o Censo Demográfico de 2010, por uma população de 6.248.436 pessoas.

Os dados utilizados são os microdados dos estabelecimentos agropecuários do Censo Agropecuário de 2006, disponibilizados na sala de sigilo do IBGE, no Rio de Janeiro, por meio de acordo formal entre a Embrapa e o IBGE. No censo questionou-se aos agricultores se praticavam a agricultura orgânica. Os dados quando se referem à lavoura, significa que foram somadas lavoura temporária e lavoura permanente. Quando se referem à pecuária, significa que foram somados os resultados de pastagem nativa e pastagem cultivada. Quando o agricultor faz menos de 50% de lavoura (temporária+permanente) e/ou menos de 50% de pecuária (pastagem nativa+pastagem cultivada) foi classificado como misto quando se mostra no artigo o uso da área.

A técnica utilizada para a comparação dos dados dos agricultores orgânicos e convencionais e a análise estatística foi o qui-quadrado para o estudo de diversos parâmetros, apresentados na seção de resultados e discussão.

Figura 1. Número de produtores orgânicos por Unidade de Gestão Técnica (UGT) da Epagri.

Fonte: Zoldan e Mior (2012).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Conforme o Censo Agropecuário de 2006, o universo da agricultura catarinense está formado por 39.883 estabelecimentos agropecuários, sendo que 39.279 (98%) responsáveis pelos estabelecimentos declararam-se agricultores convencionais e 604 (2%) responsáveis pelos estabelecimentos declararam-se agricultores orgânicos (Tabela 1).

Na Tabela 1 observa-se a renda bruta média anual declarada pelos responsáveis dos estabelecimentos orgânicos e convencionais do estado de Santa Catarina, no ano do levantamento do IBGE (2006).

A renda média bruta anual dos produtores orgânicos de Santa Catarina, em 2006 é de R$ 49.211,04 e a dos convencionais de R$ 110.708,10. Ou seja, a renda bruta anual dos agricultores orgânicos de Santa Catarina é inferior (2,25 vezes inferior) àquela do agricultor convencional.

Com relação à renda obtida pelos estabelecimentos orgânicos, este mesmo fenômeno ocorre em outros países como Noruega, França e Estados Unidos (DIMITRI; OBERHOLTZER, 2009; UEMATSU; MISHRA, 2012) e também outras partes do Brasil (SAQUET et al., 2010).

Tabela 1. Número de estabelecimentos convencionais e orgânicos de Santa Catarina e renda bruta média anual declarada pelos responsáveis destes estabelecimentos.


Tipo de Produtor


Convencional

Orgânico

TOTAL

Número de estabelecimentos agropecuários

39.279

604

39.883

Renda bruta média anual (R$)

110.708,10

49.211,04


Fonte: Censo Agropecuário, 2006.

Os testes de qui-quadrado realizados refutam a hipótese h0, mostrando que há diferença entre os perfis de agricultores orgânicos e convencionais. A exceção é no tamanho da família, a qual não se encontrou diferenças estatísticas entre os dois perfis de agricultores.

Com relação ao sexo dos agricultores catarinenses responsáveis pelos estabelecimentos agropecuários, os agricultores convencionais e orgânicos são majoritariamente homens, porém são perfis diferentes como mostra a análise do qui-quadrado (Figura 2). Proporcionalmente, há mais mulheres agricultoras orgânicas (69) do que mulheres agricultoras convencionais (1.960). Entre os agricultores convencionais, 95,01% são homens (37.319) e entre os orgânicos, 88,58% são homens (535).

Figura 2. Porcentagem de mulheres e homens entre os produtores convencionais e orgânicos do estado de Santa Catarina.

Qui-quadrado=50,9964 (p-valor=0,000). Fonte: Censo Agropecuário, 2006.

Em pesquisa realizada na área metropolitana de Curitiba-PR, Karam (2004), separa os perfis entre: “agricultores tradicionais”, ou seja, os que sempre viveram do campo, mas que optaram recentemente pelo manejo orgânico de produção, e os “neorurais” advindos das grandes cidades que optaram por uma vida rural sem ter tido experiência prévia com este tipo de trabalho. Com 57 famílias de agricultores orgânicos, observou que 80% dos estabelecimentos orgânicos tradicionais são chefiados por homens. Entretanto, verificou como o papel da mulher era representativo, pois no mínimo em 50% das unidades pesquisadas foram elas que assumiram as primeiras responsabilidades quanto à conversão do sistema de produção convencional para o orgânico. Entre os agricultores/as orgânicos neorrurais, em 30% das unidades produtivas, as mulheres são as principais responsáveis.

Observa-se que entre os responsáveis dos estabelecimentos em Santa Catarina, também é alta a porcentagem de participação de mulheres como responsáveis pela agricultura orgânica. Essa condição decorre em grande parte pelo fato de um dos cônjuges, o homem, ter um trabalho regular fora da propriedade rural. A maior parte desses exercem alguma atividade no meio urbano (KARAM, 2004).

Kuo e Peters (2017) estudando a geografia socioeconômica da agricultura orgânica dos Estados Unidos, encontraram que nas áreas onde há agricultura orgânica intensiva, estas tendem a produzir com maior diversificação e têm mais mulheres operadoras, assim como, utilizam a venda direta para a comunidade.

Com relação ao domicílio dos agricultores, se residem na área rural ou na área urbana, sempre comparando convencionais e orgânicos, encontrou-se que há diferença significativa com relação ao domicílio. A maior parte dos responsáveis pelos estabelecimentos orgânicos e convencionais é rural (Figura 3). Conforme observa-se na Figura 3, 90,47% (35.536) dos agricultores convencionais e 86,75% (524) dos orgânicos, reside no meio rural. Porém os perfis são estatisticamente diferentes segundo o teste do qui-quadrado. Há 13,25% (80) entre os agricultores orgânicos que residem na área urbana.

Figura 3. Domicílio rural ou urbano. Porcentagem de agricultores convencionais e orgânicos que residem na área rural ou urbana. Santa Catarina.

Qui-quadrado= 9,4766 (p-valor=0,002). Fonte: Censo Agropecuário de 2006.

Zoldan e Mior (2012), encontraram que, dos 603 agricultores orgânicos consultados, 536 (89%) declararam residir na propriedade e 43 (7%) declararam não residir na propriedade. À luz dos dois resultados parece que as propriedades orgânicas estão em áreas consideradas urbanas.

A localização urbana versus rural pode fazer a diferença, particularmente para as atividades realizadas na propriedade agrícola, que depende fortemente dos consumidores urbanos. Ao analisar a concentração espacial da produção orgânica, autores como Eades e Brown (2006) e Hooker e Shanahan (2012) indicaram que o acesso ao mercado incluindo lojas de varejo, processadores e manipuladores, influenciam na distribuição de agricultores orgânicos. Como o consumo de alimentos orgânicos é distorcido geograficamente com a maior demanda em áreas urbanas, estudos descobriram que a agricultura orgânica está associada às áreas urbanas e metropolitanas (KLONSKY, 2000), enquanto Bagi e Reeder (2012) sugeriram que a proximidade com o urbano os clientes são apenas uma vantagem para fazendas de marketing direto (KUO; PETERS, 2017).

Com relação à idade dos responsáveis dos estabelecimentos rurais de Santa Catarina, conforme se apresenta na Figura 4, a idade dos produtores de Santa Catarina é diferente significativamente entre os perfis orgânico e convencional. Proporcionalmente, há mais pessoas com idade superior a 45 anos que são produtores orgânicos (67,05% ou 405) e 199 produtores orgânicos (32,95%) que têm até 45 anos de idade. Dentro dos agricultores convencionais, há 44,53% (17.492) com idade inferior a 45 anos e 55,47% com idade superior a 45 anos (21.787).

Karam (2014) verificou que os (as) agricultores (as) “orgânicos tradicionais” (37%) têm entre 40 e 49 anos. E o “agricultor/a orgânico neorrural” sendo mais jovem, com 64% com idade entre 29 e 39 anos.

Em 2012, Zoldan e Mior, encontraram que o agricultor orgânico catarinense e chefe da unidade produtiva na média do estado, tinha 48 anos de idade, corroborando com resultados desse estudo, em que a maioria dos produtores orgânicos têm idade superior a 45 anos.

Figura 4. Porcentagem de agricultores convencional e orgânico no parâmetro: Idade dos responsáveis pelos estabelecimentos agropecuários de Santa Catarina.

Qui-quadrado: 32,3504 (p-valor <0,0001). Fonte: Censo Agropecuário de 2006.

Com relação ao tamanho da família dos responsáveis dos estabelecimentos catarinenses, orgânicos e convencionais, este foi o único parâmetro estudado, onde não há diferenças estatísticas entre os dois perfis de agricultores. Conforme se observa na Tabela 2, as famílias de agricultores catarinenses têm na sua maior parte até duas pessoas. Entre os convencionais 76,84% (ou 30.180) das famílias e dentro do grupo orgânicos 78,81% (ou 476) das famílias têm até duas pessoas.

Tabela 2. Tamanho da família, segundo o número de pessoas em cada família e sua porcentagem nos estabelecimentos agropecuários orgânicos e convencionais. Santa Catarina.

Tipo

Até duas pessoas

Acima de três pessoas

Total

Convencional

30.180

9.098

39.278

Convencional

76,84

23,16

%

Orgânico

476

128

604

Orgânico

78,81

21,19

%

Qui-quadrado=1,2996 (p-valor=0,2543). Fonte: Censo Agropecuário de 2006.

A partir do Censo Agropecuário de 2006, nos estabelecimentos orgânicos e convencionais catarinenses, segundo a renda média mensal, classificando-os conforme o salário mínimo à época (em 2006 era de R$ 300,00). Na Tabela 3 se observa que 39,78% (ou 15.624) dos agricultores convencionais estão na faixa de renda de 2 a 10 salários mínimos e 42,18% (ou 16.568) com renda de 10 a 200 SM.

A maior parte dos produtores orgânicos 35,6% (ou 215 estabelecimentos) encontra-se na menor faixa de renda (de 2 a 10 SM).

Tabela 3. Número de estabelecimentos agropecuários e suas respectivas porcentagens de convencionais e orgânicos, com renda média mensal (em % de salários mínimos (SM) de 2006 R$ 300,00). Santa Catarina

Tipo

dois a dez SM

dez a 200 SM

Total

Convencional

15.624

16.568

39.279

Convencional

39,78

42,18

%

Orgânico

215

141

604

Orgânico

35,60

23,34

%

Qui-quadrado=225,1576 (p-valor =0,000). Fonte: Censo Agropecuário do IBGE, 2006.

Em relação à renda dos agricultores, Karam (2004), também utilizando o salário mínimo de R$ 300,00 classificou os produtores orgânicos em tradicionais e neorrurais, mostrando que 19% dos produtores orgânicos tradicionais e 44% dos produtores orgânicos neorrurais obtiveram renda maior do que 20 salários mínimos. 30% dos agricultores/as orgânicos tradicionais têm outras fontes na composição da renda familiar, com algum dos cônjuges exercendo atividade fora do meio rural. 52% dos/as agricultores/as neorrurais têm outras fontes na composição da renda familiar, também com algum dos cônjuges exercendo atividade fora do meio rural.

Com relação à propriedade da terra, em sua grande maioria (89,71% convencionais e 93,54% de orgânicos), são proprietários das áreas que cultivam. São proprietários dos estabelecimentos, 35.237 convencionais e 565 orgânicos. Arrendatários são 4.042 responsáveis por estabelecimentos convencionais e 39 orgânicos. Na Figura 5, pode-se observar as porcentagens de agricultores proprietários e arrendatários.

Figura 5. Proprietários e arrendatários (em %) dos estabelecimentos convencionais e orgânicos, Santa Catarina

Qui-quadrado=9,5172 (p-valor=0,002). Fonte: Censo Agropecuário, 2006.

Com relação ao crédito agrícola, a metade dos responsáveis pelos estabelecimentos catarinenses convencionais utilizam crédito agrícola (50,14% ou 19.965) e a outra metade não utiliza (49,86% ou 19.584 estabelecimentos). Entre os agricultores orgânicos, 29,64% (ou 179) deles, utilizam o crédito agrícola e 70,36% ou 425 agricultores orgânicos, não fazem uso do crédito agrícola (Figura 6).

Figura 6. Utilização do crédito agrícola pelos responsáveis de estabelecimentos agropecuários, com respectivas porcentagens de convencionais e orgânicos. Santa Catarina-Brasil.

Qui-quadrado=100,0499 (p-valor =0,000). Fonte: Censo Agropecuário, 2006.

Conforme se observa na Figura 7, quando comparados os agricultores convencionais e orgânicos com relação à associação em cooperativas, vemos que 67,15% (ou 26.376) dos responsáveis pelos estabelecimentos convencionais de Santa Catarina declaram-se não-sócios de cooperativa e 75% (453) dos responsáveis pelos estabelecimentos orgânicos. Ou seja, a menor parte dos agricultores convencionais e orgânicos, pertence a cooperativas. Os agricultores convencionais que se declaram sócios de cooperativas são 12.903 (32,85%) e os orgânicos são 151 (25%).

Figura 7. Associação a cooperativas dos estabelecimentos convencionais e orgânicos (e respectivas porcentagens dentro da linha). Santa Catarina.

Qui-quadrado=16,6469 (p-valor =0,000). Fonte: Censo Agropecuário de 2006.

Zoldan e Mior (2012) encontraram que dentre todos os produtores orgânicos do estado de Santa Catarina, 38,3% são cooperados e 40,1% pertencem a associações, sendo um resultado superior àquele encontrado nesse estudo, mostrando que houve uma evolução já que, em 2012 havia mais agricultores sócios de cooperativas do que o resultado encontrado no Censo de 2006.

Com relação ao uso da área nas propriedades agrícolas, Zoldan e Mior (2012) encontraram que, do total de 603 produtores orgânicos catarinenses, a área total dos estabelecimentos é de 11.160,10 ha, e, dentre estes, 3.850ha são destinados à agricultura orgânica.

Utilizando os dados do Censo de 2006, observa-se que o uso da área pelos estabelecimentos catarinenses caracteriza-se por ser misto já que 56,64% (40,89+15,75) dos produtores convencionais e 43,87% (19,04+24,83) dos orgânicos produzem lavoura e pecuária. É possível também captar a especialização dos produtores orgânicos na área de horticultura e pecuária já que as porcentagens são consideráveis. Há diferença entre os perfis de agricultores convencionais e orgânicos (Figura 8).

Barbosa e Sousa (2012), utilizando os dados do Brasil que constam no Censo Agropecuário de 2006, destacaram os setores de horticultura e floricultura com a maior proporção de estabelecimentos orgânicos em relação ao total de produtores classificados na mesma atividade, sendo que dos 197.094 produtores, 8.840 praticavam orgânico, representando 4,44% dos produtores deste setor.

Há 37% dos estabelecimentos que não declaram o uso da área. Como o Estado de Santa Catarina tem uma topografia muito acidentada, acreditamos que esta área é de montanha, sem possibilidades de uso para agricultura e/ou pecuária.

Figura 8. Proporção de utilização da área dos estabelecimentos convencionais e orgânicos (e respectivas porcentagens dentro da linha) em Santa Catarina-Brasil.

Qui-quadrado= 123,1584 (p-valor =0,000). Fonte: Censo Agropecuário, 2006.

Em 2012, Zoldan e Mior, encontraram 603 agricultores orgânicos em Santa Catarina, coincidindo com os resultados deste trabalho, baseado no Censo Agropecuário de 2006.

Com relação à escolaridade, observa-se na Figura 9, nos níveis de escolaridade inferiores (até o nível fundamental completo), há diferença significativa entre os responsáveis pelos estabelecimentos orgânicos (51,49% ou 311) e convencionais (67,24% ou 26.413). Porém, à medida que aumenta a escolaridade destacam-se os produtores orgânicos, que têm entre eles 48,51% (293) com nível médio ou superior. Entre os convencionais há 33,76% (12,866) com nível médio até superior completo.

Figura 9. Comparação da escolaridade dos responsáveis pelos estabelecimentos agropecuários e porcentagem de convencionais e orgânicos, Santa Catarina

Chi-Square=66,7838 (p-valor<0,0001). Fonte: Censo Agropecuário, 2006.

Corroborando com os resultados, em Santa Catarina, no ano de 2012, o grau de instrução do agricultor orgânico chefe da unidade, variou do ensino fundamental incompleto até o ensino médio incompleto (ZOLDAN; MIOR, 2012).

Em trabalho feito nos Estados Unidos, com dados entre os anos de 2007 e 2012, Kuo e Peters (2017), encontram que nas áreas com atividade orgânica intensiva tendem a ter mais pessoas com ensino médio sem completar.

Mazzoleni e Nogueira (2006), analisando um grupo de 57 produtores olerícolas orgânicos da Região Metropolitana de Curitiba, também encontraram que, muito diferente da média brasileira, o grupo conta com uma distribuição de escolaridade com elevado percentual de agricultores com nível superior, bem como, mais da metade já tinha experiências com atividades de comércio ou serviços, também encontraram que, independente da escolaridade formal e de outras experiências profissionais, o fator gastos da família estimula a obtenção de resultados positivos e foi importante o desejo de prosperar. O conhecimento aplicado e a capacitação técnica são indispensáveis para elevar o nível técnico do produtor.

Conforme os resultados obtidos por Alves et al. (2012) para a agricultura brasileira, são importantes a escolaridade e a assistência técnica para que o produtor alcance sua maior eficiência técnica.

Num estudo de comparação do risco entre a agricultura orgânica e convencional da Bélgica, Lawers et al. (2010), afirmam que o empreendedorismo deve abranger bom conhecimento do mercado e dos arranjos institucionais.

Com relação aos anos de experiência, a maioria dos responsáveis pelos estabelecimentos convencionais (27.761) ou orgânicos (389) possuem dez anos ou mais de experiência (Figura 10).

Os dados relativos aos anos de experiência que estes produtores rurais têm, mostram que a maior parte dos responsáveis pelos estabelecimentos convencionais (27.761 ou 70,68%) ou orgânicos (389 ou 64,4%) têm 10 ou mais anos de experiência (Figura 10). Há diferenças significativas entre os perfis. No grupo de agricultores com experiência entre um e menos de 5 anos há 21,52% de orgânicos (130) e 14,69% de convencionais (5.772).

Figura 10. Anos de experiência na agricultura de agricultores convencionais e orgânicos (e porcentagens nas linhas), Santa Catarina

Qui-quadrado= 22,1839 (p-valor <0,0001). Fonte: Censo Agropecuário, 2006.

Os resultados encontrados por Zoldan e Mior (2012), com produtores orgânicos de Santa Catarina, foram que, dentre os 603 produtores, trabalham em média na agricultura há 34,9 anos e têm 8,8 anos em média na agricultura orgânica.

Karam (2004) aponta que o agricultor/a orgânico tradicional praticava agricultura orgânica há menos de dois anos (70%) e o agricultor/a orgânico neorrural praticava a agricultura orgânica há mais de cinco anos (60%).

Para Pleite et al. (2009) existe uma relação positiva entre ser agricultor a tempo parcial, ser exclusivamente ecológico (ou orgânico ou biológico) e o número de anos na agricultura ecológica. É possível que os/as agricultores orgânicos catarinenses também tenham o mesmo comportamento: há outra fonte de renda para alcançada com a agricultura orgânica. Em Múrcia, na Espanha, foram identificados estes produtores orgânicos: eles são pequenos e de tempo parcial, formados e jovens (PLEITE et al., 2009).

CONCLUSÕES

A renda dos estabelecimentos convencionais de Santa Catarina é 2,25 vezes superior à renda dos estabelecimentos orgânicos. A renda dos estabelecimentos orgânicos representa 44,45% da renda dos estabelecimentos convencionais;

Estabelecimentos convencionais do estado de Santa Catarina são diferentes dos estabelecimentos orgânicos nos seguintes parâmetros: sexo do agricultor, domicílio do agricultor, renda média mensal, propriedade da terra, uso do crédito agrícola, associação a cooperativas, uso da área, escolaridade e anos de experiência na agricultura;

Somente no tamanho da família não há diferença entre estabelecimentos convencionais e orgânicos. As famílias dos dois tipos de estabelecimentos são composta por até 2 pessoas.

REFERÊNCIAS

ALVES, E.; SOUZA, G.S.; ROCHA, D.P. Lucratividade da Agricultura. Revista de Política Agrícola, n.2, p. 45-63, 2012.

BAGI, F. S.; REEDER, R. Farm activities associated with rural development initiatives. (ERR 134) USDA, Economic Research Service. May 2012. Disponível em: <https://www.ers. usda.gov/publications/pub-details/?pubid=44977>.

BARBOSA, W. de F. e SOUSA, E. P. Agricultura orgânica no Brasil: características e desafios. Revista Economia & Tecnologia (RET), v.8, n.4, p.67-74, 2012.

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