ARTIGO CIENTÍFICO

Qualidade hídrica para uso em cultivo agroecológico de olerícolas

Water quality for use in agroecological cultivation of vegetable crops

Ana Carolina Roque Cardoso1, Pedro Gomes Peixoto2, Rodrigo Ney Millan3

1Bióloga. Pós Graduada em Agroecologia no Cerrado. Universidade do Estado de Minas Gerais, Unidade Frutal. E-mail: carolinaroquecardoso@hotmail.com; 2Biólogo. Pós-Graduado em Agroecologia no Cerrado. Universidade do Estado de Minas Gerais, Unidade Frutal. E-mail: pedro.peixoto@uemg.br; 3Professor Doutor, Departamento de Ciências Exatas e da Terra, Universidade do Estado de Minas Gerais, Unidade Frutal, CEP: 38200-000. E-mail: rodrigo.millan@uemg.br

Recebido para publicação em 28/03/2018; aprovado em 23/06/2018

Resumo: Diversas são as atividades antrópicas que disponibilizam resíduos e rejeitos nos ecossistemas, principalmente os aquáticos, e geralmente de forma inadequada. Como resultado, pode-se haver incrementos da quantidade de nutrientes, principalmente de fósforo e nitrogênio, tornando um meio propício para florações de Cyanobacteria. Objetivou-se com esse estudo identificar a comunidade fitoplanctônica e nutrientes da água em um braço do Rio Grande, Frutal, Minas Gerais, para verificar a possibilidade de uso da água na irrigação de cultivo agroecológico de olerícolas. Nos três pontos amostrais as variáveis temperatura, condutividade, oxigênio dissolvido e pH estavam em conformidade com a CONAMA 357/2005. Os nutrientes (fósforo total, ortofosfato, nitrato, nitrito e nitrogênio amoniacal total) apresentaram baixas concentrações e mantiveram-se em conformidade com a resolução em todos os pontos e períodos analisados. A abundância do fitoplâncton ficou dividida em 3 grandes grupos: Bacillariophyceae, Chlorophyceae e Cyanobacteria. Grandes quantidades de cianobactérias foram observadas nas amostras, trazendo risco devido ao potencial dessas algas para produzir toxinas. Para ser utilizada na irrigação de cultivo agroecológico, é necessário que a água em questão passe por tratamento.

Palavras-chave: Água; Agroecologia; Cyanobacteria; Hortaliças; Cianotoxinas.

Abstract: Several anthropic activities provide wastes and rejects in ecosystems mainly aquatic, and usually inadequately. As a result there can be increases in the amount of nutrients mainly of phosphorus and nitrogen making a medium conducive to Cyanobacteria blooms. The objective of study was identify and quantify the phytoplankton community and water nutrients from June to November 2015 at three points in one branch of Rio Grande, Frutal-MG, to verify the possibility of using water for irrigation of agroecological crops of olerícolas. At the three sampling points the variables temperature, conductivity, dissolved oxygen and pH were in accordance with CONAMA 357/2005. The nutrients (total phosphorus, orthophosphate, nitrate, nitrite and total ammoniacal nitrogen) presented low concentrations and remained in compliance with the resolution in all sites and periods analyzed. The abundance of phytoplankton was divided into 3 large groups: Bacillariophyceae, Chlophyceae and Cyanobacteria. Large amounts of cyanobacteria were observed in the samples, posing a risk due to the potential of these algae to produce toxins. To be used in irrigation of agroecological crops, it is necessary that the water in question goes through treatment.

Key words: Water; Agroecology; Cyanobacteria; Vegetables; Cyanotoxins

INTRODUÇÃO

As atividades antrópicas têm sido apontadas como principais causas dos problemas ambientais atuais, entre elas a agricultura convencional que está entre as práticas mais impactantes nos ambientes naturais (MARQUES et al., 2007).

Dentre os usos dos recursos hídricos disponíveis no Brasil, a agricultura é o maior consumidor da sociedade, utilizando cerca de 63% da demanda total de água doce (ANA, 2002). A técnica da irrigação no Brasil ocupa algo em torno de 5% a 6%, das terras cultivadas, uma das principais estratégias para aumentar a produção (REBOUÇAS et al., 2006).

Além de consumir grandes quantias de água para irrigação, a agricultura convencional pode contaminar águas rurais, aumentando artificialmente a concentração de nutrientes e favorecendo a eutrofização (FERNANDES NETO; FERRREIRA, 2007).

Com o intuito de diminuir os impactos ambientais e produzir alimentos de qualidade, surge a Agroecologia. Ela foi definida por Altieri (1998) como "as bases científicas para uma agricultura alternativa". Um dos princípios adotados é alterar o mínimo possível o ambiente, aproveitando o potencial natural, com práticas para maximizar a reciclagem de energia e nutrientes, minimizando as perdas durante os processos produtivos, com menor dependência possível de insumos externos e a conservação dos recursos naturais (ASSIS, 2005; SAQUET, 2014).

A composição de espécies das comunidades fitoplanctônicas são dependentes das condições ambientais, assim, esta comunidade pode funcionar como indicador ecológico, respondendo rapidamente as mudanças de condições ambientais, particularmente à entrada de nutrientes nos sistemas aquáticos (LEPSOVÁ-SKÁCELOVÁ et al., 2018). Quando o processo de eutrofização se dá naturalmente observa-se longa duração, pois o principal agente é a chuva com o escoamento superficial (HENRY et al., 1983; ESTEVES, 1998). Durante o processo de eutrofização há um aumento desordenado e rápido na produção de biomassa, o que impossibilita a sua incorporação pelo sistema aquático, com a mesma velocidade de produção provocando um desequilíbrio ecológico propiciando a proliferação excessiva de algas (florações) comprometendo a qualidade da água e restringindo a sua utilização para consumo e atividades antrópicas (SOUZA, 1993; SANCHES et al., 2007; CERIONE et al., 2008).

O aumento no número de florações de algas tem sido bastante frequente, principalmente de cianobactérias, onde algumas espécies são consideradas tóxicas por biossintetizarem uma variedade de metabólitos secundários naturais, sendo capazes de induzir efeitos deletérios nos tecidos que entram em contato, mesmo após um curto período de exposição. Essas toxinas apresentam diversos mecanismos de ação, podendo ser: hepatotóxicas (microcistina e nodularina) neurotóxicas (anatoxina-a, anatoxina-as, homoanatoxina-a e saxitoxina), dermatóxicas (lingbiatoxina) e citotoxinas (cilindrospermopsina) (CHORUS, 2001). Também podem atuar na inibição da síntese de proteínas ou alteração no sistema imune (KUJBIDA et al., 2006). Existem cerca de 150 gêneros de Cyanobacterias que englobam 2.000 espécies, dentre as quais 40 são produtoras de toxinas – cianotoxinas (HITZFELD et al., 2000; JAYATISSA et al., 2006).

No Brasil, ocorreu em 1988 o primeiro caso de intoxicação por microcistina advinda de uma floração de cianobactérias em um reservatório de água em Itaparica, na Bahia, levando 88 pessoas a óbito (TEIXEIRA et al., 1993). O segundo caso de intoxicação, com grande repercussão na mídia em 1996 ocorreu numa clínica de hemodiálise em Caruaru (Pernambuco) onde registrou a presença de microcistina na água de lavagem dos aparelhos de hemodiálise, dos 142 pacientes com doenças renais crônicas foram expostos cerca de 50 morreram (JOCHIMSEN et al., 1998; CARMICHAEL et al., 2001).

Assim em razão de sua expressiva toxicidade, as microcistinas tornaram-se foco de atenção das empresas de saneamento em diversos países. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estabeleceu um valor guia de 1 μg L-1 como concentração máxima de microcistina-LR em água potável (CHORUS; BARTRAM, 1999), porém para águas de abastecimento de hospitais que realizam hemodiálise, esse valor tem que ser igual a zero (BRASIL, 2011).

Um dos grandes problemas ambientais da sociedade são as florações de cianobactérias, em corpos hídricos devido ao escoamento superficial de resíduos de agrotóxicos e fertilizantes químicos (fosfatados e nitrogenados) utilizados em grandes quantidades nas monoculturas principalmente, para aumentar sua produção. A disposição inadequada e o uso indiscriminado desses recursos disponibilizam uma grande quantidade de nutrientes no ambiente, favorecendo o desenvolvimento de cianobactérias, ocasionando desequilíbrio ambiental que causam complicações, no abastecimento de água potável, irrigação de alimentos, atividades recreativas e saúde do homem e de animais.

Neste cenário é necessário o uso de técnicas que identifiquem e quantifiquem as algas, com potencial tóxico, técnicas essas que auxiliem no monitoramento das águas para o uso inclusive para irrigação de hortaliças. Assim o objetivo deste trabalho foi identificar a comunidade fitoplanctônica e nutrientes da água de um braço do Rio Grande, verificando a possibilidade de uso da água para irrigação de cultivo agroecológico de olerícolas.

MATERIAL E MÉTODOS

O estudo foi realizado no município de Frutal – MG, localizado na região Sudeste do Brasil, na Mesorregião Geográfica do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba (19°45’01” e 20°26’17”S; 48°45’01” e 49°18’45”W). A coleta ocorreu em 3 pontos no braço do Rio Grande, Frutal- MG, distando entre si 350 m, com referencial médio na coordenada -20.142811, -49.080447 (Figura 1).

Em frente aos pontos de coleta, há uma fazenda agroecológica (Figura 1), que produz uma grande variedade de alimentos (hortaliças, legumes, tubérculos e frutas). No entorno da área é possível a visualização de culturas convencionais de cana-de-açúcar e abacaxi.

As amostras de água para análise de fitoplâncton e nutrientes foram coletadas mensalmente no período de junho a novembro de 2015. As amostras para análise de nutrientes foram armazenadas em garrafas plásticas de 500 mL e posteriormente congeladas.

Figura 1. Braço do Rio Grande, com a localização dos pontos de coleta (P1 a P3) e a localização da cultura Agroecológica em Frutal, Minas Gerais

Fonte: Google Earth

Para análise qualitativa do fitoplâncton, passou-se um arrasto horizontal com rede de plâncton com abertura de malha de 20 µm, com posterior armazenamento em frascos plásticos, sendo fixado com formalina a 4%. As amostras para análise quantitativa do fitoplâncton foram acondicionadas em frascos plásticos de 500 mL e fixadas com solução de Lugol neutra, sem qualquer tipo de filtração.

As variáveis temperatura (TºC), condutividade elétrica (CE), pH e oxigênio dissolvido (OD) foram mensuradas in loco em todas as coletas e pontos através de sonda multiparâmetros HANNA HI 9828.

Fósforo total (PT), nitrato (NO3) e nitrito (NO2) foram quantificados pelo método de espectrofotométricos de acordo com Golterman et al. (1978). O nitrogênio amoniacal total (NAT) foi quantificado também por espectrofotometria utilizando a metodologia proposta por Koroleff (1976).

A análise qualitativa dos organismos fitoplanctônicos foi realizada sob microscópio óptico (BICUDO; MENEZES, 2006; BELLINGER et al., 2015). A análise quantitativa do fitoplâncton ocorreu após sedimentação, utilizando se câmara de Sedgewick-Rafter e microscópio, com aumento de 100x, onde foram contados ao menos 100 espécimes da espécie mais frequente (p<0,05) (LUND et al., 1958).

Os organismos fitoplanctônicos foram quantificados de acordo com grandes grupos taxonômicos, utilizando-se os critérios de Van den Hoeck et al. (1993), Round et al. (1990) e Komárek; Anagnostidis (1999; 2005).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Nos três pontos amostrais a temperatura variou de 22,7 a 29,3ºC, apresentando valor médio de 25,9ºC (Figura 2).

A condutividade elétrica variou de 43,0 µS cm-1 a 61,0 µS cm-1 com valor médio de 54,4 µS cm-1 (Figura 2). Tanto temperatura quanto condutividade elétrica, apresentaram tendência de declínio entre os pontos P1 a P3. A resolução do CONAMA 357/2005 não regulamenta valores máximos para as variáveis temperatura e condutividade em águas de Classe 1 (BRASIL, 2005).

Figura 2. Variáveis físicas e químicas da água nos três pontos amostrais (P1 a P3) durante os 6 meses de estudo, em que: TºC = temperatura; CE = condutividade elétrica e OD = oxigênio dissolvido.

O oxigênio dissolvido (OD) variou de 4,6 mg L-1 a 12,7 mg L-1 com valor médio de 7,7 mg L-1 (Figura 2). Esta variável apresentou tendência de aumento de P1 a P2 e diminuição em P3, com maiores valores observados sempre no P2. A resolução do CONAMA 357/2005 regulamenta que as águas de Classe 1, em qualquer amostra, devem apresentar valores de OD, não inferiores a 6,0 mg L-1 (BRASIL, 2005), fato que ocorreu no mês de junho em todos os pontos e no P3 durante a coleta de outubro. Dentre os gases dissolvidos na água, o oxigênio é um dos mais importantes na dinâmica e na caracterização de ecossistemas aquáticos, pois é um elemento essencial no metabolismo dos seres aquáticos aeróbicos e valores abaixo do padrão referendado pela CONAMA indica consumo de O2 pela decomposição da matéria orgânica (oxidação) (ESTEVES, 1998).

O pH variou de 6,0 a 9,2 com valor médio de 7,5 (Figura 5). A CONAMA 357/2005 regulamenta que as águas de Classe 1, devem apresentar valores de pH entre 6,0 e 9,0 (BRASIL, 2005), assim os pontos amostrados mantiveram-se dentro dos limites recomendados durante o estudo.

O fósforo total (PT) variou de 21,5 µg L-1 (P2 em agosto) a 74,4 µg L-1 (P3 em outubro) apresentando valor médio de 41,7 µg L-1 (Figura 3). A CONAMA 357/2005 regulamenta que as águas de Classe 1 em ambiente lótico e tributários de ambientes intermediários devem apresentar valores de fósforo total abaixo de 0,1 mg L-1 P (ou 100 µg L-1) (BRASIL, 2005). Assim, neste estudo os valores de fósforo total, encontram-se em conformidade com a resolução em todos os pontos e períodos analisados.

O ortofosfato (OP) variou de 12,5 µg L-1 (P1 julho) a 30,7 µg L-1 (P2 em agosto) apresentando valor médio de 19,6 µg L-1 (Figura 3). A CONAMA 357/2005 não regulamenta valores máximos de ortofosfato em águas de Classe 1 (BRASIL, 2005).

O nitrato (NO3-) variou de 107,6 µg L-1 (P3 em agosto) a 2619,2 µg L-1 (P2 em agosto) apresentando valor médio de 1306,2 µg L-1 (Figura 3). Confrontando esse dado com o valor estabelecido pela CONAMA 357/2005 observa-se que esta variável se encontra em conformidade com a regulamentação em todos os pontos e períodos analisados.

O nitrito (NO2-) variou de 26,4 µg L-1 (P3 julho) a 128,9 µg L-1 (P1 em novembro) apresentando valor médio 51,1 µg L-1 (Figura 3). Os valores desta variável encontram-se em conformidade com a CONAMA 357/2005 em todos os pontos e períodos analisados.

O nitrogênio amoniacal total (NAT) variou de 7,0 µg L-1 (P2 junho) a 81,5 µg L-1 (P1 em novembro) apresentando valor médio de 31,1 µg L-1 (Figura 3), estando em conformidade com a CONAMA 357/2005 em todos os pontos e períodos analisados.

Ainda que os valores dos nutrientes estejam em conformidade com a legislação, ao analisar a comunidade fitoplanctônica, observou-se que a mesma esteve composta por 4 grupos: Bacillariophyceae, Chlorophyceae, Cyanobacteria e Zygnemaphyceae (Figura 4)

Nos meses de julho a novembro houve predomínio de Bacillariophyceae (Navicula sp.) em todos os pontos de coleta. Estas, popularmente conhecidas como Diatomáceas, são organismos microscópicos unicelulares, às vezes reunidos em colônias, apresentam uma carapaça resistente denominada “frústula” silicosa uma característica determinante para este grupo e são importantes produtores primários (JOLY, 1979; REVIERS, 2006; FRANCESCHINI et al., 2010). Provavelmente são os organismos aquáticos, depois das bactérias, de distribuição mais ampla (FRANCESCHINI et al., 2010), aptos a colonizar todos os meios aquáticos.

No P2 durante o mês de junho houve dominância das cianobactérias, sendo 70% de Dolichospermum sp. e 30% de Microcystis sp. Em julho e agosto as cianobactérias representaram cerca de 40% da comunidade fitoplanctônica, porém, Navicula sp. foi predominante. Em setembro Navicula sp. prevaleceu, com 95% de abundância relativa. Em outubro as cianobactérias foram dominantes apresentando 50% de Microcystis sp. e 10% de Dolichospermum sp. No mês de novembro Navicula sp. predominou com 90% de abundância relativa (Figura 4).

Figura 3. Série fosfatada e nitrogenada nos três pontos amostrais (P1 a P3) durante os 6 meses de estudo, em que : PT = fósforo total; OP = ortofosfato; NO3 = nitrato; NO2 = nitrito e NAT = nitrogênio amoniacal total.

Dentre os três pontos de coleta analisados, o P1 no mês de junho apresentou dominância de Cyanobacteria sendo 80% de Dolichospermum sp. e 19% de Microcystis sp. (Figura 4). Nos meses de julho a setembro houve dominância de mais de 80% de Navicula sp. As cianobactérias representaram menos de 10%. No mês de outubro, apesar de estarem presentes, estas cianobactérias não foram dominantes, prevalecendo Navicula sp. (80%). Em novembro não foram encontradas cianobactérias, predominando Navicula sp..


Figura 4. Abundância relativa dos gêneros encontrados nos três pontos amostrais (P1 a P3) durante os 6 meses de estudo.

No P3, durante o mês de junho, como nos outros pontos, houve um predomínio de cianobactérias (20% de Dolichospermum sp. e 80% de Microcystis sp.). No mês de julho as cianobactérias não foram predominantes prevalecendo Navicula sp. em mais de 80%. Em agosto Navicula sp. prevaleceu sobre as cianobactérias com 60% de abundância relativa. No mês de setembro Navicula sp. também prevaleceu, entretanto, as cianobactérias representaram apenas 10%. Em outubro as cianobactérias predominaram com 90% da abundância relativa.

A dinâmica da comunidade fitoplanctônica é regulada principalmente pelos ciclos sazonais e pelas interações com outros organismos (zooplâncton e macrófitas) além de outras variáveis tais como hidrodinâmica (precipitação, descarte de água doce, fluxo contínuo de água e tempo de residência) (ESTEVES, 1998; LAGUS et al., 2007; WANG et al. 2007), nitrogênio, fósforo, intensidade luminosa, temperatura, turbidez e valores altos de pH (CHIA et al., 2017).

Observou-se que a densidade das cianobactérias nos pontos e períodos amostrais foi superior ao limite estabelecido pela legislação vigente, chegando a atingir níveis de 80000 cel mL-1 nos pontos P2 e P3 (Figura 5)

Figura 5. Número de células de Cyanobacteria encontradas nos três pontos amostrais (P1 a P3) durante os 6 meses de estudo.

Houve predomínio de dois gêneros de Cyanobacteria (Dolichospermum e Microcystis). Estes gêneros encontrados são os mais relevantes, pois são capazes de sintetizar uma ampla gama de cianotoxinas (METCALF; COOD, 2014) que de uma forma ou de outra, principalmente pela ingestão acidental de água (NASRI et al., 2008), hortaliças e outros produtos alimentícios (moluscos, crustáceos e peixes) contaminados com cianotoxinas, acabam entrando na cadeia de consumo humana (CODD et al., 1999; DIETRICH; HOEGER, 2005; IBELINGS; CHORUS, 2007; ETTOUMI et al., 2011).

As florações tóxicas de cianobactérias mais comuns nas águas continentais no Brasil são dos gêneros Dolichospermum, Aphanizomenon, Cylindrospermopsism e Microcystis (SANT’ANNA; AZEVEDO, 2000).

O consumidor brasileiro vem adotando nas últimas décadas um estilo de vida mais saudável, principalmente na alimentação, apresentando uma dieta rica em folhosas como alface e a rúcula. Ambas podem ser cultivadas no solo ou pelo método de cultivo hidropônico, assim, a qualidade e a quantidade de água utilizada durante o seu desenvolvimento é extremamente importante. A irrigação para o cultivo agroecológico de olerícolas (raízes, tubérculos, folhas e legumes) com água contaminada por toxinas sintetizadas em florações de cianobactérias, podem causar contaminação humana pelo consumo desses alimentos, ocasionando doenças dermatológicas, neurológicas e hepatotóxicas (SAQRANE et al., 2009). A Organização Mundial de Saúde limita o consumo humano da cianotoxina microcistina nos alimentos em 0,04 μg kg-1 de massa corpórea dia-1 (WHO, 1998).

Além dos problemas que podem ocasionar à saúde do consumidor, a contaminação dos vegetais por toxinas pode representar uma queda na produção, uma vez que as toxinas interferem no metabolismo das plântulas (SAQRANE et al., 2009) e causam necroses (CHEN et al., 2004; M-HAMVAS et al., 2003). Quando há uma alta proliferação de algas no início do cultivo do arroz, pode ocorrer também uma queda na produção (ROGER, 1996). Assim, a qualidade da água é um fator determinante para a sua utilização em sistemas irrigados (MANTOVANI et al., 2006).

Bittencourt-Oliveira et al. (2016) avaliou o potencial de bioacumulação de microcistinas em alface irrigada com água contaminada pela toxina e após 15 dias encontrou correlação positiva entre as diferentes concentrações utilizadas na irrigação e a quantidade de toxinas nas hortaliças. Assim, concluiu que o uso de água contaminada com microcistinas para a irrigação de plantas pode ocasionar risco à saúde humana por conta da bioacumulação. Além disso, encontrou também resultados que indicam estresse oxidativo e influência negativa na atividade fotossintética das hortaliças submetidas aos tratamentos.

No entanto a capacidade das cianotoxinas entrarem na cadeia alimentar através das culturas agrícolas não foi completamente elucidada, porém esta eventualidade não deve ser ignorada, pois vários estudos indicam o potencial dos vegetais aquáticos em acumular cianotoxinas, isto sugere que plantas terrestres (hortaliças) têm a mesma capacidade (CORBEL et al., 2014).

CONCLUSÕES

A água do sistema hidrico estudado não apresenta características adequadas para irrigação de cultivos agroecológicos de olerícolas, devido a presença de cianobactérias potencialmente tóxicas.

AGRADECIMENTO

Os autores agradecem a atuação dos técnicos de Laboratório de Biologia no auxílio à execução do presente estudo, bem como o suporte estrutural da Universidade do Estado de Minas Gerais, e demais colaboradores.

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