Conhecimento popular sobre plantas medicinais em comunidades rurais do Município de Laranjeiras do Sul, Paraná

 

Popular knowledge about medicinal plants in rural communities in the municipality of Laranjeiras do Sul, Parana, Brazil

 

Conocimiento popular sobre plantas medicinales en comunidades rurales del municipio de Laranjeiras do Sul, Paraná, Brasil

 

Karen Karoline de Oliveira Glowka1; Siomara Aparecida Marques2; Gabriela Silva Moura3

 

1Mestre em Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável, Universidade Federal da Fronteira Sul, Laranjeiras do Sul; +55 42 9999-8037, k.ren.k@hotmail.com. 2Doutora em Sociologia Política, Professora, Universidade Federal da Fronteira Sul, Laranjeiras do Sul, siomarques@uffs.edu.br. 3Pós-doutorado em Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável, Universidade Federal da Fronteira Sul, Laranjeiras do Sul, bismoura@hotmail.com.

 

Recebido: 03/09/2020; Aprovado: 25/11/2020

 

Resumo: Esta pesquisa teve como objetivo resgatar o saber popular sobre as plantas medicinais utilizadas para a promoção da saúde e da agroecologia no município de Laranjeiras do Sul – Paraná. Foi realizado um estudo etnobotânico de abordagem quantitativa, seguindo o método descritivo, a partir de uma pesquisa de campo com agricultores das comunidades Passo Liso, Rio do Tigre e Rio Verde, situadas nesse município, entre os meses de novembro de 2018 à janeiro de 2019, por meio de visitas pré-agendadas e acompanhadas pelo Agente Comunitário de Saúde (ACS) da respectiva comunidade. Os dados foram obtidos com dezesseis famílias na comunidade de Passo Liso, dezenove famílias na comunidade Rio Verde e quinze famílias na comunidade Rio do Tigre, totalizando 50 famílias de agricultores, indicados aleatoriamente pelo ACS da microárea correspondente à Unidade de Saúde do SUS. Os resultados mostraram que 100% dos agricultores utilizam plantas medicinais para tratar sintomas de doenças, e possuem essas plantas em seus quintais. Foram citadas 73 espécies, das quais as cinco plantas mais utilizadas pelos agricultores(as) são: a Mentha spp. (hortelã), Rosmarinus officinalis L. (alecrim), (Zingiber officinale Rosc.) gengibre, Artemisia absinthium L. (losna) e Chamomilla recutita (L.) (camomila).

 

Palavras-chave: Etnobotânica, Cantuquiriguaçu, Agroecologia, Conhecimento tradicional.

 

Abstract: This research aimed to rescue popular knowledge about medicinal plants used to promote health and agroecology in the municipality of Laranjeiras do Sul - Paraná. An ethnobotanical study with a quantitative approach was carried out, following the descriptive method, from a field research with farmers from the communities of Passo Liso, Rio do Tigre and Rio Verde, located in this municipality, between the months of November 2018 to January 2019 , through pre-scheduled visits and accompanied by the Community Health Agent (CHA) of the respective community. The data were obtained with sixteen families in the community of Passo Liso, nineteen families in the community Rio Verde and fifteen families in the community Rio do Tigre, totaling 50 families of farmers, randomly indicated by the ACS of the micro area corresponding to the Health Unit of SUS. The results showed that 100% of farmers use medicinal plants to treat disease symptoms, and have these plants in their backyards. Were 73 species cited, of which the five plants most used by farmers are: Mentha spp. (mint), Rosmarinus officinalis L. (rosemary), (Zingiber officinale Rosc.) ginger, Artemisia absinthium L. (worm) e Chamomilla recutita (L.) (chamomile).

 

Key words: Ethnobotany, Cantuquiriguaçu, Agroecology, Traditional knowledge.

 

Resumen: Esta investigación tuvo como objetivo rescatar el conocimiento popular sobre las plantas medicinales utilizadas para promover la salud y la agroecología en el municipio de Laranjeiras do Sul - Paraná. Se realizó un estudio etnobotánico con enfoque cuantitativo, siguiendo el método descriptivo, a partir de una investigación de campo con agricultores de las comunidades de Passo Liso, Rio do Tigre y Rio Verde, ubicadas en este municipio, entre los meses de noviembre de 2018 a enero de 2019, a través de visitas preprogramadas y acompañado por el Agente de Salud Comunitario (CHA) de la respectiva comunidad. Los datos se obtuvieron con dieciséis familias de la comunidad de Passo Liso, diecinueve familias de la comunidad Rio Verde y quince familias de la comunidad Rio do Tigre, totalizando 50 familias de agricultores, indicados aleatoriamente por la ACS de la microárea correspondiente a la Unidad de Salud del SUS. Los resultados mostraron que el 100% de los agricultores usan plantas medicinales para tratar los síntomas de la enfermedad y tienen estas plantas en sus patios traseros. Se citaron 73 especies, de las cuales las cinco plantas más utilizadas por los agricultores son: Mentha spp. (menta), Rosmarinus officinalis L. (romero), (Zingiber officinale Rosc.) jengibre, Artemisia absinthium L. (gusano) y Chamomilla recutita (L.) (manzanilla).

 

Palabras Clave: Etnobotánica, Cantuquiriguaçu, Agroecología, Conocimientos Tradicionales.

 

INTRODUÇÃO

 

A prática de utilizar plantas para tratamento de doenças é tão antiga quanto à história da humanidade. Sendo essa prática comum e significativa desde tempos imemoriais até a atualidade, é utilizada pelo homem com a finalidade de cura das enfermidades, prevenção de agravos e tratamento de doenças (MATTOS et al., 2018). No Brasil, grande parte do conhecimento tradicional sobre as plantas medicinais advém da cultura indígena que utilizava em rituais e como método curativo. Além do conhecimento sobre como utilizar as plantas medicinais, os indígenas também sabem como cuidar da biodiversidade, e por estas razões são considerados como a maior e mais confiável fonte de conhecimento empírico sobre as plantas medicinais. O conhecimento tradicional indígena pode ser encontrado em todo o território brasileiro (ROCHA; MARISCO, 2016; ALVES et al., 2015).

Os jesuítas também tiveram um papel importante frente ao uso de plantas medicinais no território brasileiro, este não apenas com a função de catequizar, mas também de promover o tratamento e a cura de enfermidades, foram absorvendo gradativamente os conhecimentos indígenas que inicialmente eram vistos pelos jesuítas como feiticeiros. Além da incorporação do conhecimento indígena, os jesuítas foram responsáveis pelos primeiros registros escritos e a elaboração de uma Farmacopéia Brasileira (ROCHA et al., 2015).

Outra cultura que influenciou significativamente a prática de utilizar plantas para curar doenças no Brasil é a cultura europeia. Esta chegou ao Brasil com os colonizadores que se depararam com tamanha biodiversidade da fauna brasileira, e também incorporaram o conhecimento tradicional indígena. Com relação a incorporação da cultura indígena pelos europeus “o indígena não conhecia somente de localização de ouro ou onde poderia ser encontrado o pau-brasil, ele também era detentor de um saber que poderia significar a diferença entre a vida e a morte, em um biota completamente desconhecido para o europeu (BADKE, 2008).

Na região sul do Brasil é que se pode perceber traços da cultura europeia, sendo a população descendente de imigrantes alemães e italianos. É também nesta região que o cultivo de plantas medicinais (há mais de 100 anos) predomina, e o fator que contribui para essa afirmação, são as condições favoráveis do solo e clima da região sul que é predominantemente frio, semelhante ao clima europeu (STADNIK; VELHO; ZORRILLA, 2019).

A cultura africana também contribuiu com a prática de utilização de plantas medicinais no Brasil. Trazidos durante o período colonial, pelas famílias europeias, para serem seus escravos, os africanos trouxeram consigo suas tradições como o uso de plantas medicinais as quais eram utilizadas em rituais religiosos e por suas propriedades farmacológicas, empiricamente descobertas (SILVA et al., 2019).

O uso das plantas medicinais é o resultado do acúmulo secular de conhecimentos empíricos sobre a ação das plantas por diversos grupos étnicos, entretanto a continuidade do conhecimento tradicional passado de geração em geração, está ameaçado, devido à esta prática ser influenciada por fatores como a grande exposição das comunidades à atual sociedade urbano tecnológica; pressões econômicas e culturais externas e facilidade de acesso a serviços médicos convencionais.

A Organização Mundial da Saúde (OMS), reconhece a importância das plantas medicinais para a promoção da saúde, bem como incentiva o resgate, o reconhecimento e a valorização das práticas tradicionais e populares de uso de plantas e remédios caseiros (OMS, 2013). A OMS ainda ressalta a importância da Medicina Tradicional para atenção primária a saúde, uma vez que 80% da população utiliza práticas tradicionais nos seus cuidados básicos de saúde, sendo 85% plantas ou preparações destas (BRASIL, 2016).

Entre os principais temas relacionados às plantas medicinais, está a agroecologia e a etnobotânica. Segundo Caporal (2016), a agroecologia é uma disciplina científica, tem como foco uma perspectiva ecológica, proporcionando uma visão ampla e interdisciplinar sobre os atuais processos agrícolas. Assim, a agroecologia como ciência estabelece as bases para a construção de estilos de agriculturas sustentáveis e de estratégias de desenvolvimento rural sustentável. A conexão entre a agroecologia, o desenvolvimento sustentável e as plantas medicinais, está em um ponto convergente comum entre os temas que é a valorização do conhecimento empírico. A etnobotânica, é um conhecimento científico que, como a agroecologia, incorpora o conhecimento empírico, com a finalidade de conhecer as relações entre o homem e as plantas que são por ele utilizadas. Permite de forma abrangente conhecer a forma de cultivo, o manejo, como é feita a identificação, o preparo, e como é consumida a planta.

Nesse contexto, a presente pesquisa teve como objetivo resgatar o saber popular sobre as plantas medicinais utilizadas para a promoção da saúde e da agroecologia em comunidades rurais situadas no Município de Laranjeiras do Sul, Paraná.

 

MATERIAL E MÉTODOS

 

Esta pesquisa trata-se de um estudo etnobotânico de abordagem quantitativa, seguindo o método descritivo, a partir de uma pesquisa de campo com agricultores das comunidades rurais de Passo Liso, Rio do Tigre e Rio Verde, situados no município de Laranjeiras do Sul, no Paraná. Laranjeiras do Sul possui uma área territorial de 673.313km², está localizada geograficamente a uma altitude de 840m, latitude 25º 24’ 28’’ S, longitude 52º 24’ 58’’ W. O clima predominante na região é o subtropical úmido. Tem uma população total de 32.132hab., sendo que aproximadamente 6.462hab., residem na zona rural do município (PMLDS, 2018). A pesquisa foi realizada em novembro de 2018 a janeiro de 2019.

Foram realizadas visitas pré-agendadas e acompanhadas pelo Agente Comunitário de Saúde (ACS) de cada comunidade. Os agricultores foram indicados pelo ACS da microárea correspondente, e o critério da amostra utilizado para a escolha dos agricultores que responderiam ao questionário, foi ser maior de 18 anos e residir em uma das três comunidades. Para uma amostra significativa optou-se por entrevistar um quantitativo de 20% das famílias residentes em cada comunidade, sendo que apenas um dos membros da família seria entrevistado. A comunidade de Passo Liso constituída por 77 famílias das quais dezesseis foram entrevistadas, a comunidade Rio Verde com 95 famílias, destas dezenove famílias foram entrevistadas e a comunidade Rio do Tigre apresentou 72 famílias, destas quinze foram entrevistadas.

No momento da visita, sob o acompanhamento do ACS, foi explicado aos agricultores(as) que seria uma pesquisa realizada com finalidade acadêmica sobre seu conhecimento referente ao cultivo e ao uso das plantas medicinais, sendo resguardada qualquer informação pessoal fornecida ao pesquisador. Assim, um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi apresentado aos entrevistados e assinado.

Após a entrevista, foram realizadas turnês-guiada com os agricultores(as) conforme proposto por Albuquerque et al. (2014). Com as plantas citadas pelos agricultores (as) foi realizado registro fotográfico, coleta e identificação de materiais botânicos, com auxílio de literatura pertinente e de informações do Internacional Plant Names Index (IPNI, 2019). A análise e apresentação dos dados foi realizada de forma descritiva, e os resultados obtidos foram transcritos em planilhas de dados e analisados com auxílio do programa Excel 2017.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

 

Percebe-se que a faixa etária dos moradores foi entre 20 e > 60 anos, com representação em todas as comunidades dentro deste intervalo (Tabela 1). Segundo Zeni et al. (2017) em seu estudo, a idade dos moradores é importante na pesquisa com plantas medicinais por representar o conhecimento passado de geração em geração. Neste sentido, o intervalo de idade entre os moradores mostra que o conhecimento tradicional passado de geração em geração ainda acontece dentro dessas comunidades.

 

Tabela 1. Frequência e porcentagem sobre a idade, etnia, sexo e tempo de residência nas comunidades rurais de Passo Liso (PL), Rio Verde (RV) e Rio do Tigre (RT), de Laranjeiras do Sul, Paraná.

Questão

Opção

Frequência

Porcentagem

 

 

PL

RV

RT

PL

RV

RT

Idade

>20

0

1

0

0

 5,3

0

 

21 a 40

4

5

6

25

26,3

40

 

41 a 60

6

6

6

37,5

31,6

40

 

> 60

6

7

3

37,5

36,8

20

Etnia

Alemã

0

1

6

0

5,3

40

 

Brasileira

1

11

4

6,25

57,9

26,7

 

Italiana

5

0

3

31,25

0

20

 

Indígena

2

7

0

12,5

36,8

0

 

Polonesa

4

0

0

25

0

0

 

Russa

1

0

0

6,25

0

0

 

Ucraniana

1

0

0

6,25

0

0

 

Não soube

2

0

2

12,5

0

13,3

Sexo

F

14

12

9

87,5

63,1

60

 

M

2

7

6

12,5

36,9

40

Tempo de residência (anos)

Até 5

0

2

1

0

10,5

6,7

 

5 a 10

2

2

 

12,5

10,5

0

 

10 a 20

1

4

2

6,25

21,1

13,3

 

> 20

13

11

12

81,25

57,9

80

Número total de famílias

 

 

 

50

 

 

 

 

Quanto à etnia, por meio dos dados levantados foi possível identificar vários grupos étnicos na região, dentre eles brasileira (32%), indígena (18%), italiana (16%), alemã (14%), polonesa (8%), russa (2%), ucraniana (2%) e não souberam responder (8%). Na região do Sul do Brasil, por “etnia brasileira” é considerado aquele indivíduo que é resultado da miscigenação de origens étnicas diferentes como dos povos indígenas originais, dos negros africanos e dos colonizadores portugueses. Verifica-se que a cultura indígena é bastante representativa entre as comunidades, e segundo autores como Santos, Araújo e Batista (2010), os indígenas são detentores de um conhecimento empírico ainda não conhecido em sua totalidade por pesquisadores, principalmente quando se refere a cuidar da biodiversidade e ao desenvolvimento de atividades menos predatórias, sendo a cultura indígena considerada a maior fonte de conhecimento empírico e de sabedoria da humanidade.

Quanto ao sexo, 70% dos moradores são do sexo feminino e 30% do sexo masculino. Segundo Pulga (2013), o conhecimento sobre plantas medicinais está intimamente ligado ao papel das mulheres dentro da família, e Marques et al. (2015) explica que esta ligação provem do ato de cuidar, uma responsabilidade que a mulher traz para si.

Para as mulheres as plantas medicinais representam muito mais do que uma prática terapêutica, trata-se de uma consciência ecológica, uma tradição familiar além do cuidado. É importante destacar que a mulher camponesa veio ganhando seu espaço aos poucos e que as plantas medicinais funcionaram como uma “ponte” para uma reflexão mais ampla sobre questões de gênero. A partir de movimentos sociais como por exemplo, o Movimento das Mulheres Camponesas, as plantas medicinais puderam ser vistas não apenas como algo que a natureza oferece para tratamento de enfermidades, mas também como um momento para se introduzir um debate sobre sustentabilidade, agroecologia e soberania alimentar (MARQUES et al.; 2015).

Além de fatores relacionados à idade e ao sexo dos moradores(as), foi evidenciado, que a maioria (72%) reside na respectiva comunidade há mais de 20 anos (Tabela 1). Muitos deles, além de herdarem de seus antepassados o conhecimento sobre plantas medicinais, herdaram também parte da propriedade, podendo dar sequência ao cuidado e ao cultivo das plantas medicinais ali presentes.

Ainda com relação ao perfil dos moradores(as), outro ponto importante foi o grau de escolaridade que estes possuem. Na Figura 1, observamos que a maioria dos moradores(as) estudou apenas as séries iniciais do ensino fundamental (52%), seguidos daqueles que concluíram apenas o nível fundamental (12%) e também dos que concluíram o ensino médio (12%), na sequência os moradores(as) que cursaram apenas parte do ensino médio (6%), os que ainda estão cursando o ensino superior somaram 2%, os que possuem ensino superior somaram 4%, e com pós-graduação 6%. O índice de analfabetismo ficou em 6%. Para Pires et al. (2014), o nível de escolaridade se mostra independente quando se trata do uso de plantas medicinais, podendo afirmar que o uso de plantas medicinais como opção de tratamento terapêutico ocorre de forma semelhante em pessoas com níveis menores de escolaridade e pessoas com maiores níveis de escolaridade.

 

Figura 1. Porcentagem referente ao nível de escolaridade dos agricultores (as) pertencentes às comunidades rurais de Rio do Tigre, Rio Verde e Passo Liso, de Laranjeiras do Sul, Paraná.

 

Quando questionados(as) sobre a utilização de plantas medicinais, 100% dos agricultores(as) moradores afirmaram que usam plantas medicinais para tratar de doenças ou sintomas, cotidianamente.

A fonte de conhecimento sobre plantas medicinais é revelada pelos moradores(as) como sendo um conhecimento cultural passado de geração em geração em sua maioria, sendo este conhecimento aperfeiçoado através de cursos oferecidos por instituições como o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR) e a Pastoral da Criança e também por meio dos profissionais informais como os Bioenergéticos e vizinhos da própria comunidade.

Sobre o conhecimento passado de geração em geração, vale destacar que este inclui além do cultivo, armazenamento e uso da planta, a distinção sobre as plantas que, se utilizadas de forma incorreta, podem ser tóxicas ou causar danos à saúde, onde a figura materna aparece como a detentora deste conhecimento e responsável por manter viva a cultura popular na família. Assim como citado anteriormente, a mulher camponesa novamente é destacada pelos moradores(as) neste momento.

Ao serem questionados quanto à frequência da utilização das plantas medicinais para tratamento de sintomas ou doenças, obtivemos as seguintes respostas, 90% disseram que utilizam plantas medicinais como primeira opção de tratamento ou diariamente mesmo sem estar doente, como uma prevenção para agravo da saúde ou doença; seguidos daqueles que ainda preferem utilizar apenas em casos mais simples ou concomitantemente ao medicamento sintético ou alopático (10%). No que se refere à utilização das plantas medicinais como primeira opção para fins de tratamento de enfermidade, os moradores(as) apresentaram os seguintes relatos: “[...] cresci vendo a minha mãe usar plantas pra fazer chá, então aprendi com ela e uso sempre” (Entrevistado PL); “[...] as planta ajuda bastante, e são natural né? Daí não faz mal usa. Mas sempre é bom ter os remedinho também, porque eles faz o efeito mais rápido” (Entrevistado RV); “[...] aqui a comunidade fica longe da cidade, às vezes a gente precisa se virar com o que tem mais fácil, principalmente a gente que tem criança, ai as planta tem aqui na casa, e resolve um pouco até a saúde chegar na quinta, se não resolver daí vai no plantão” (Entrevistado RT).

Os motivos que levam esta grande porcentagem de agricultores(as) a utilizar plantas medicinais como primeira opção de tratamento, além da questão cultural, são fácil acesso às plantas, sendo que todos os moradores(as) têm em seu quintal pelo menos um tipo de planta que utiliza para fins medicinais. O fato da planta não ter um custo para aquisição, “não precisa comprar no mercado”, também foi destacado por eles(as).

Há também a convicção, de alguns moradores(as), que a planta medicinal é menos ofensiva ao organismo, ou seja, não faz mal porque trata-se de um produto natural. Cerca de 52% informaram que usam plantas medicinais por não apresentar efeitos colaterais como os medicamentos sintéticos. A seguir são apresentadas algumas falas: [...] a planta é natural, é da terra, não faz mal” (Entrevistado PL); “[...] se a gente usa esses medicamento da farmácia, arruma uma coisa e estraga otra, então a planta é melhor, porque a gente toma os chá e não faz mal” (Entrevistado RV).

Alguns moradores(as) (18%) informaram ainda que um dos motivos que leva à utilização das plantas medicinais, é a demora do serviço de saúde chegar na comunidade, considerando que na Unidade de Saúde do Passo Liso o serviço de saúde é realizado duas vezes por semana, na Unidade de Saúde do Rio Verde quinzenalmente, e na Unidade de Saúde do Rio do Tigre semanalmente.

Considerando tudo o que foi abordado nesta pesquisa com os agricultores(as), o conhecimento empírico que trazem com eles/elas, é evidenciado a todo momento nos seus relatos, como algo único, valioso e verdadeiro, é um conhecimento considerado uma herança de família, uma tradição. Em meu entendimento, os agricultores empiricamente acreditam no potencial curativo das plantas, cultivam estas plantas, preparam e consomem crendo que seu efeito será benéfico para a saúde daqueles que a utilizam.

Durante a realização das visitas e entrevistas foi possível fazer um levantamento da diversidade de plantas medicinais dos quintais dos agricultores das três comunidades rurais, evidenciando um total de 73 espécies de plantas medicinais, sendo as mais encontradas pertencentes a família Asteraceae com aproximadamente 19% (Tabela 2). Alguns exemplos de espécies desta família são: alcachofra, calêndula, camomila, figatil, guaco, marcela e novalgina.

 

Tabela 2. Plantas de uso medicinal conhecidas pelas famílias agricultoras das comunidades rurais de Passo Liso, Rio Verde e Rio do Tigre, de acordo com seu nome popular e científico, família botânica, parte da planta utilizada (PU), Indicação terapêutica popular (ITP), forma de preparo, tipo de uso e número de citações (Nº).

Denominação popular

Nome científico

Família

PU

ITP

Forma de preparo

Tipo de uso

Abacateiro

Persea americana Mill.

Lauraceae

Folha

Dor de estômago, má digestão, câncer, infecção na bexiga

Chá

Interno

1

Açafrão

Curcuma longa L.

Zingiberaceae

Raiz

Gargarejo ou bochecho no caso de infecção de garganta; como compressa

Chá

Interno

1

Alcachofra

Cynara scolymus L.

Asteraceae

Flor

Dor de estômago, má digestão

Chá

Interno

3

Alecrim

Rosmarinus officinalis L

Lamiaceae

Folha

Hipertensão, circulação, nervosismo, ansiedade, má digestão, dor de cabeça

Chá, banho

Interno/ externo

18

Alfavaca

Ocimum basilicum L.

Lamiaceae

Folha

Dor de garganta, problemas respiratórios, cólicas, infecção urinária e reumatismo

Chá, banho

Interno/ externo

1

Alfazema

Lavandula officinalis L.

Lamiaceae

Folha, flor

Calmante, dor de cabeça, dor de estômago

Chá

Interno

3

Alho

Allium sativum L.

Amaryllidaceae

Bulbos

Anti-inflamatório, gripe, vermes, hipertensão, colesterol, tosse, bronquite

Chá, fresco

Interno

3

Ameixa

Eriobotrya japonica Thunb. Lindl.

Rosaceae

Fruto

Gripe, bronquite, regulador intestinal

Chá

Interno

1

Amora branca

Rubus brasiliensis Mart.

Rosaceae

Folha

Hipertensão, dor de garganta, infecção urinária, colesterol, diabetes

Chá

Interno

1

Arruda

Ruta graveolens L.

Rutaceae

Folha

Mal olhado, dor de cabeça, alergia, dor de dente.

Chá

Interno

11

Babosa

Aloe vera (L.) Burm. F.

Xanthorrhoeaceae

Asphodelaceae

Folha

Queimaduras, feridas, queda de cabelo

Shampoo, unguento

Externo

9

Bálsamo

Sedum dendroideum  Moc. & Sessé ex DC

Crassulaceae

Folha

Dor de estômago, ferimentos

Chá, emplasto

Interno/ externo

3

Batata doce

Ipomoea batatas L.

Convolvulaceae.

Folha

Falta de vitamina C, gripe, diabetes, hipertensão, anemia

Chá

Interno

1

Bergamoteira

Citrus aurantium bergamia

Rutaceae

Folha, fruta

Diurética, febre, gripe, ácido úrico

Chá, in natura

Interno

1

Boldo

Plectranthus barbatus Andr.

Lamiaceae

Folha

Dor de estômago, má digestão (fígado), azia, “embrulho” no estômago

Chá, maceração

Interno

7

Calêndula

Calendula officinalis L.

Asteraceae

Flor, folha

Conjuntivite, dor de estômago, circulação e coração, ferimentos, inflamação, cólica menstrual

Chá, pomada

Interno/externo

1

Camomila

Maçanilha

Chamomilla recutita (L.) Rauschert

Asteraceae

Flor 

Dor de barriga em bebês e crianças, calmante, gases, dor na gengiva, herpes, cicatrizante, hemorroidas

Chá, maceração, tintura

Interno/ externo

14

Canela

Cinnamomum zeylanicum Blume

Lauraceae

Casca

Bronquite, abortivo

Chá

Interno

1

Canfrinho

Cânfora

Artemisia alba Turra

Compositae

Folha

Diabetes, hipertensão, dor no corpo, febre, cólicas, dor de cabeça

Chá

Interno

7

Capim cidreira

Capim limão

Cymbopogon  citratrus  (DC.) Stapf

Poaceae

Folha

Ansiedade, gripe, hipertensão, gases

Chá

Interno

13

Capote

Setecapote

Campomanesia  guazumifolia  (Cambess.)  O. Berg

Myrtaceae

Folha

Diarreia

Chá

Interno

1

Carqueja

Baccharis articulata  (Lam.) Pers

Asteraceae

Folha

Dor de estômago, feridas

Chá, decocção

Interno/ externo

1

Casca do Monjoleiro

Senegalia polyphyla

Fabaceae Mimosoideae

Casca, folha

Febre, tosse

Chá

Interno

1

Catinga de mulata

Tanacetum vulgare L.

Asteraceae

Folha, flor

Dor no corpo, cicatrização, piolho, vermes, asma, infecção

Chá, pomada, decocção

Interno/ externo

7

Cavalinha

Equisetum hyemale L.

Equisetaceae

Casca

Diurético

Chá

Interno

4

Cipó escada

Bauhinia Splendens

Fabaceae Caesalp.

Caule, casca e folhas

Hemorroidas, reumatismo

Chá

Interno

1

Cipó Mil-homens

Aristolochia triangularis Cham.

Aristolochiaceae

Caule, folha

Vermes, diarreia, problemas respiratórios, coceira, picada de cobra

Chá

Interno

4

Coentro

Coriandrum sativum L.

Apiaceae

Folha

Calmante, cólica em bebê

Chá

Interno

1

Confrei

Symphytum officinale L.

Boraginaceae

Folha

Cicatrizante, ferimentos, doenças respiratórias, dor de estômago

Chá, emplasto

Interno/ externo

7

Couve

Brassica oleracea L.

Brassicaceae

Folha

Ferimentos, queimaduras

Sumo, emplasto

Interno/

1

Cravo de defunto

Tagetes erecta L.

Asteraceae

Flor

Vermes, laxante, imunidade

Maceração, chá

Interno/externo

2

Endro

Anethum graveolens L.

Apiaceae

Folha, flor, semente

Cólica em bebê, diarreia, dor de estomago, má digestão, aumentar leite materno

Chá

Interno

7

Erva de bicho

Polygonum hydropiperoides Michx.

Polygonaceae

Folha

Hemorroidas

Pomada

Externo

1

Erva doce

Pimpinella anisum L.

Apiaceae

Semente

Cólica em bebê, aumentar leite materno

Chá

Interno

13

Espinheira Santa

Maytenus ilicifolia Mart. ex Reissek

Celastraceae

Folha

Má digestão, dor de estômago

Chá

Interno

6

Figatil

Gymnanthemum amygdalinum (Delile) Sch. Bip. ex Walp

Asteraceae

Folha

Sintomas do fígado e vesícula, náusea, vômito, má digestão

Chá

Interno

2

Funcho

Foeniculum vulgare Mill.

Apiaceae

Folha, fruto

Gases, sensação de “estufamento” na barriga

Chá

Interno

3

Gengibre

Zingiber officinale Roscoe

Zingiberaceae

Rizoma

Tosse, gripe, bronquite, gases

Chá

Interno

12

Gervão

Verbena sp.

Verbenaceae

Folha

Vermes, diarreia, dor de barriga, dor de cabeça

Chá

Interno

3

Goiabeira

Psidium guajava L.

Myrtaceae

Folha

Sapinho, corrimento vaginal

Chá

Interno/ externo

1

Guaco

Mikania glomerata Spreng.

Asteraceae

Folha

Gripe, bronquite, tosse

Chá, xarope

Interno

6

Guavirova

Campomanesia xanthocarpa O. Berg

Myrtaceae

Folha

Colesterol, hipertensão, gripe

Chá

Interno

2

Guaxuma

Sida rhombifolia L.

Malvaceae

Planta inteira

Diarreia, infecção urinária

Chá

Interno

1

Guiné

Petiveria alliacea L.

Phytolaccaceae

Folha

Dor de barriga, reumatismo no sangue, gripe, ferimentos, tosse com catarro

Chá

Interno/externo

5

Hortelã

Mentha spp.

Lamiaceae

Folha

Calmante, gripe, dor de cabeça, vermes

Chá

Interno

23

Insulina

Cissus verticillata (L.)  Nicolson & C. E. Jarvis

Vitaceae

Folha

Diabetes

Chá

Interno

3

Laranjeira

Citrus sinensis (L.) Osbeck

Rutaceae

Folha

Gripe, resfriado

Chá

Interno

6

Losna

Artemisia absinthium L.

Asteraceae

Folha

Vermes, gases, má digestão, diurética

Chá

Interno

8

Macieira 

Malus domestica

Rosaceae

Folha

Diabetes, colesterol

Chá

Interno

1

Malva

Malva sylvestris L.

Malvaceae

Folha, flor, fruto

Dor de dente, bronquite, tosse, corrimento

Chá

Interno

4

Manga

Mangifera indica L.

Anacardiaceae

Folha

Disenteria

Chá

Interno

3

Manjerona

Origanum majorana L.

Lamiaceae

Folha

Má digestão, cólica em bebês, azia

Chá

Interno

8

Mastruz

Chenopodium ambrosoides L.

Brassicaceae

Folha

Gripe, resfriados, dor de garganta

Chá

Interno

2

Marcela

Achyrocline satureioides (Lam.) DC.

Asteraceae

Folha, flor

Cólica, diarreia, colesterol, calmante

Chá

Interno

6

Marcelinha Galega

Chamaemelum nobile (L.) All.

Asteraceae

Folha, flor

Cólica

Chá

Interno

7

Melissa

Melissa officinalis L.

Lamiaceae

Folha, flor

Ansiedade, enxaqueca, gripe, herpes

Chá

Interno/externo

5

Morango

Fragaria x ananassa

Rosaceae

Folha

Infecção urinária

Chá

Interno

1

Novalgina

Mil-ramas

Mil-folhas

Pronto alivio

Achillea millefolium L.

Asteraceae

Folha

Ansiedade, stress, dor de cabeça, cólica, febre, diurética

Chá

Interno

13

Osmarin

Helichrysum italicum G.Don f.

 

Asteraceae

Ramo, folha

Anti-inflamatória

Chá

Interno

1

Pata de vaca

Bauhinia forficata Link

Fabaceae Caesalp.

Folha, ramo, casca, flor

Diurética, diabetes

Chá

Interno

2

Pitanga

Eugenia uniflora L

Myrtaceae

Folha

Diarréia, dor de estômago, colesterol, diabetes, calmante, cicatrização

Chá, maceração

Interno/ externo

2

Poejo

Mentha pulegium L.

Lamiaceae

Folha

Tosse com catarro, peito carregado, calmante para bebês

Chá

Interno

10

Pulmonaria

Stachys byzantina K. Koch

Lamiaceae

Folha

Má digestão, dor estômago, gripe

Chá

Interno

3

Quebra-pedra

Phyllanthus niruri L.

Phyllanthaceae

Folha, flor, raiz

Diurética, pedra nos rins, diabetes, cólica

Chá

Interno

2

Salsaparrilha

Smilax brasiliensis Spreng.

Smilacaceae

Folha

Inflamação

Chá

Interno

1

Sálvia

Salvia officinalis L

Lamiaceae

Folha, flor

Má digestão, dor de estômago, retenção de líquidos, diabetes, intestino preso, picada de inseto, micose

Chá

Interno

8

Sete-sangria

Cuphea carthagenensis (Jacq.) J. F. Macbr

Lythraceae

Folha

Hipertensão, diabetes

Chá

Interno

1

Tanchagem

Plantago major L.

Plantaginaceae

Semente

Diurético, diarreia, tosse, hipertensão

Chá

Interno

6

Tarumã

Vitex taruma 

Mart.

Verbenaceae

Folha

Reumatismo, hemorroidas, problemas de pele

Chá

Interno

4

Tenente José

Picramnia parvifolia Engl.

Picramniaceae

Caule, folhas

Dor de estômago, diarreia, anemia

Chá

Interno

1

Terramicina

Penicilina

Alternanthera brasiliana (L.) Kuntze

Amaranthaceae

Folha, flor

Inflamação e infecção, diurética, dor no corpo, gases, tosse

Chá, maceração

Interno

5

Violeta

Viola odorata L.

Violaceae

Folha, flor

Ferida na boca, dor de garganta

In natura

Interno

6

 

Podemos observar que entre as plantas medicinais citadas, há nomenclatura semelhante à de fármacos desenvolvidos pela indústria farmacêutica, são exemplos: a insulina, a novalgina que também enquanto planta, recebe o nome de mil-folhas, mil-ramas e pronto alívio, e a penicilina também denominada terramicina. A relação entre a indicação do uso da planta e do fármaco para o tratamento de sintomas é evidente. Como planta, a insulina é indicada empiricamente para auxiliar no tratamento de diabetes, assim como a insulina fabricada pela indústria farmacêutica, já a novalgina é citada pelos agricultores como uma planta indicada no tratamento de dores de cabeça e febre, além de outros sintomas, sendo que estes dois sintomas citados coincidem com a indicação terapêutica da Novalgina, nome comercial da dipirona sódica, indicada para o tratamento de sinais de febre e dor. A penicilina enquanto planta é indicada para inflamação e infecção, e enquanto medicamento é usada com ação antibiótica, atingindo desta forma os focos de infecção por bactérias.

Nas três comunidades estudadas, as cinco espécies de plantas medicinais mais utilizadas foram: Hortelã (Mentha spp.), Alecrim (Rosmarinus officinalis L.), Gengibre (Zingiber officinale Roscoe), Losna (Artemisia absinthium L.), Camomila (Chamomilla recutita (L.) Rauschert), conforme Tabela 3.

 

Tabela 3. Porcentagem e frequência das cinco plantas mais utilizadas pelas comunidades de Passo Liso (PL), Rio Verde (RV) e Rio do Tigre (RT), pertencentes ao município de Laranjeiras do Sul, Paraná

Plantas Medicinais

Frequência

Total

(%)

PL

RV

RT

 

 

Mentha spp.

9

6

5

20

40

Rosmarinus officinalis L.

4

4

2

10

20

Zingiber officinale Roscoe

4

4

 

8

16

Artemisia absinthium L.

4

3

1

8

16

Chamomilla recutita

5

1

2

8

16

 

Quanto à origem das plantas medicinais mais citadas pelos agricultores (as), três delas são de origem europeia, sendo a hortelã, a camomila e a losna, já o gengibre tem suas origens na Índia e na China, e o alecrim é originário das Costa do Mar Mediterrâneo (MOTA; RODRIGUES, 2001).

Para o uso no tratamento de enfermidades, as plantas medicinais mais mencionadas e conhecidas pelas comunidades foram a hortelã, alecrim, gengibre, losna e camomila. Em geral, o conhecimento sobre o uso das plantas medicinais para o tratamento de doenças é passado de geração em geração, pois trata-se de um conhecimento empírico, adquirido através da observação e da experimentação, isto ocorre desde a época primitiva quando o homem observava o comportamento de animais adoecidos utilizando remédios do mato para melhorar sua condição e repetindo este comportamento para sintomas semelhantes aos dos animais. Outra tática utilizada pelo homem desde o princípio era a da semelhança pelo formato ou cor da planta ou fruto, no tratamento de doenças.  Apesar de ser uma tradição de uso como remédio em uma população ou comunidade, o uso de plantas medicinais requer cuidados, pois se utilizadas de forma incorreta, indiscriminadamente podem acarretar em superdosagens, ineficácia terapêutica e toxicidade (ZENI et al., 2017).

A hortelã (Mentha spp.), foi mencionada para tratar nove tipos de sintomas distintos, sendo sintomas de gripe um dos mais citados pelos moradores. Esta planta é utilizada para fazer chá, como explica o agricultor, [...] então você pega e põe umas duas colher de açúcar numa panelinha e leva ao fogo até derreter, daí ferve uma água na chaleira, que dê mais ou menos um copo, e põe junto do açúcar derretido e umas folha de hortelã, fecha com uma tampa pra abafar, e deixa ali até esfriar, e toma antes de dormir, pra gripe num tem coisa melhor, mas daí você não pode tomar nada gelado no outro dia, se não prejudica (Entrevistado PL)’’.

Na citação do morador descrita acima é possível perceber que a planta não pode ser preparada e consumida de qualquer maneira, há todo um ritual empírico que nasce de uma tradição cultural sobre determinada planta. Na simplicidade do preparo deste “remédio” vemos que há uma relação de cuidado empregado por aquele que prepara e ensina o consumo correto da planta e aquele que necessita deste remédio. O cuidado, neste caso está muitas vezes ligado à figura materna dentro da família, pois é a mulher muitas vezes quem toma conta da horta onde as plantas medicinais se encontram, é ela também quem detém aquele conhecimento passado de geração em geração.

Outra planta utilizada para vários tipos de sintomas é o alecrim, que segundo os agricultores(as) pode ser uma opção de tratamento para sete tipos de sintomas, sendo o nervosismo ou ansiedade o mais comum citado entre os moradores. Segundo eles/elas o alecrim age como um calmante, podendo ser usado na forma de chá ou como um tempero.

Entre os moradores(as), o gengibre surgiu como uma planta medicinal capaz de tratar sete tipos de sintomas, entre os mais citados temos a dor de garganta e a tosse. É comum encontrar o gengibre em grande parte dos quintais dos moradores, sendo utilizado na forma de chá, entretanto alguns moradores também afirmaram a utilização para fabricar quentão nas festas juninas da comunidade.

A losna foi citada pelos agricultores(as) como uma planta capaz de tratar dor de estômago e machucadura. Já a camomila, ou também denominada popularmente maçanilha, pode ser usada tanto para nervosismo ou ansiedade, dor de estômago e infecção. Sendo esta planta muito utilizada para tratar estes sintomas em bebês e crianças. Conforme o relato de um agricultor(a): “[...] a camomila é boa pra acalmar os bebês, eu criei tudo os filho usando chá quando tavam doente, porque a gente aqui no interior tem que se virar com os remédio do mato [...]” (Entrevistado PL).

Por esta expressão “remédio do mato”, percebe-se que há um reconhecimento do agricultor(a) de que a natureza é providencial, ela lhe fornece o que necessita para viver com saúde, o que evidencia o significado de conhecimento empírico. O fato de morar na zonal rural, no interior, significa estar distante do remédio da “ciência”, dos recursos médicos, então é preciso recorrer à experiência no uso e preparo das plantas medicinais herdados pela tradição.

 Aos moradores(as) ainda foi questionado sobre como as plantas utilizadas são adquiridas, onde 100% deles informaram que a maioria das plantas que utilizam estão em seus próprios quintais, entretanto há também a troca de mudas de plantas entre os agricultores de uma mesma comunidade, e em últimos casos elas podem ser adquiridas no comércio central de Laranjeiras do Sul, Paraná.

Estudos científicos trazem a eficiência das plantas medicinais e entre elas, as que foram citadas pelos agricultores (as) moradores. A hortelã é indicada como vermífugo, tem função digestiva e calmante. Desta planta é possível extrair óleos essenciais assim como do gengibre. O gengibre é indicado para tratamento de reumatismo, rouquidão, gripe e resfriados, bronquite, sintomas estomacais e como tônico (MOTA; RODRIGUES, 2001).

De forma geral, o tema plantas medicinais, quando abordado, remete a uma série de assuntos correlatos, tais como a agroecologia, onde a conexão está em um ponto convergente comum entre os temas que é a valorização do conhecimento empírico que vem das mais diferentes culturas presentes nas comunidades, o uso de práticas agroecológicas para o cultivo e o fortalecimento da agricultura familiar.

 

CONCLUSÕES

 

Independente das diferentes etnias dos agricultores(as) (“brasileira”, italiana, alemã, polonesa), todos apresentaram em comum práticas tradicionais no uso de plantas medicinais.

Os agricultores(as) representam um retrato do conhecimento empírico empregado no cuidado e no tratamento de sinais e sintomas com plantas medicinais. Desde o cultivo da planta, o modo como deve ser colhida, a receita de como deve ser preparada e consumida, passa por todo um ritual.

Os agricultores(as) buscam nas plantas medicinais uma forma de tratamento terapêutico pela facilidade de acesso e por consideram que as plantas oferecem menos efeitos colaterais que os medicamentos. Além disso, as limitações do serviço de saúde nas comunidades muitas vezes faz com que o uso das plantas medicinais se tornem o único recurso disponível para algumas famílias.

Para as principais espécies medicinais utilizadas, de maneira geral, não são utilizadas técnicas específicas para preparo do solo, adubação e época de plantio.

Quatro, das cinco plantas mais utilizadas devem ser consumidas imediatamente após serem colhidas, a exceção cabe à camomila que deve passar por um processo de secagem, ser armazenada, e posteriormente consumida. Entre as formas de preparo possíveis, a mais comum é na forma de chá (fervido ou por infusão), podendo ser este tomado frio ou quente.

 

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