O processo civil como espaço de resistência à violação dos direitos personalíssimos: a judicialização do direito ao nome como ato de concretização axiológica
DOI:
https://doi.org/10.18378/rbfh.v14i2.11469Palavras-chave:
Dignidade humana; Autonomia existencial; Hermenêutica constitucional; Direitos da personalidade.Resumo
O presente artigo tem como escopo a análise do processo civil brasileiro enquanto instrumento de resistência jurídica e axiológica à violação dos direitos personalíssimos, com especial enfoque na judicialização do direito ao nome. A pesquisa parte do problema jurídico referente à tensão entre a rigidez normativa do sistema de registros públicos, sustentada pelo princípio da imutabilidade nominal, e a necessidade de reconhecimento das razões existenciais como fundamento legítimo para a alteração do prenome civil. Nessa ótica, o estudo propõe discutir em que medida o processo civil, revigorado pela Constituição de 1988 e pelo Código de Processo Civil de 2015, pode ser mobilizado como espaço normativo apto à promoção da dignidade da pessoa humana e do livre desenvolvimento da personalidade, sobretudo quando se trata de identidades marginalizadas pela tradição legal. Para atingir tal objetivo, a metodologia adotada é qualitativa, assentada em revisão bibliográfica e documental, com análise de dispositivos legais, doutrina abalizada e jurisprudência dos tribunais superiores, especialmente do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. A abordagem permite mapear os mecanismos hermenêuticos empregados pelo Poder Judiciário, como a interpretação conforme à Constituição, a ponderação de princípios e o controle de convencionalidade, que têm servido para mitigar a rigidez literal da legislação infraconstitucional e assegurar a eficácia dos direitos fundamentais. A discussão central reside na reconstrução identitária judicial como resposta à insuficiência normativa e na superação do formalismo legalista por meio de uma hermenêutica comprometida com a centralidade da pessoa humana. A partir disso, o artigo conclui pela necessidade de imersão teórica e prática das potencialidades do processo civil como via legítima de concretização dos direitos da personalidade, especialmente em demandas que envolvem a alteração do nome civil por razões existenciais.
Referências
BATISTA, Fernando Natal. Considerações jurisprudenciais sobre o princípio da imutabilidade relativa e o direito à alteração do nome. Revista de Doutrina Juris, Brasília, DF, v. 113, e022013, 2022.
BAUR, Fritz. O papel ativo do juiz. Revista de Processo, São Paulo, v. 7, n. 27, p. 186-189, jul./set. 1982.
BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado. 11. ed. Rio de Janeiro: Rio, 1956.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 15. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2020.
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Provimento nº 149, de 30 de agosto de 2023. Altera o Provimento nº 73/2018. Diário da Justiça eletrônico, Brasília, DF, 31 ago. 2023. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/4622. Acesso em: 18 jun. 2025.
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Provimento nº 73, de 28 de junho de 2018. Dispõe sobre a averbação da alteração do prenome e do gênero nos assentos de nascimento e casamento de pessoa transgênero. Diário da Justiça eletrônico, Brasília, DF, 29 jun. 2018. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/2596. Acesso em: 18 jun. 2025.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 18 jun. 2025.
BRASIL. Lei nº 14.382, de 27 de junho de 2022. Dispõe sobre o Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (Serp); altera as Leis nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, e 6.015, de 31 de dezembro de 1973, entre outras normas. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 28 jun. 2022. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2022/lei/L14382.htm. Acesso em: 18 jun. 2025.
BRASIL. Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973. Dispõe sobre os registros públicos e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 31 dez. 1973. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6015.htm. Acesso em: 18 jun. 2025.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.008.398/SP. Rel. Min. Nancy Andrighi. Julgado em 15 out. 2009. Diário da Justiça eletrônico, Brasília, DF, 18 nov. 2009. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=893374&num_registro=200700885308&data=20091118&formato=PDF. Acesso em: 18 jun. 2025.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.217.166/RS. Rel. Min. Marco Buzzi. Julgado em 24 mar. 2017. Diário da Justiça eletrônico, Brasília, DF, 24 mar. 2017. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1614544&num_registro=201001983589&data=20170324&formato=PDF. Acesso em: 18 jun. 2025.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.290.203 – RS. Relator: Ministro Luis Felipe Salomão. Julgado em: 13 jun. 2017. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 5 jul. 2017. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/SCON/?tipo=processo&proc=1290203. Acesso em: 18 jun. 2025.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.514.382/DF. Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira. Julgado em 3 fev. 2015. Diário da Justiça eletrônico, Brasília, DF, 12 fev. 2015. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1416786&num_registro=201100984394&data=20150212&formato=PDF. Acesso em: 18 jun. 2025.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.927.090/RJ. Rel. Min. Luis Felipe Salomão. Julgado em 25 abr. 2023. Diário da Justiça eletrônico, Brasília, DF, 2 mai. 2023. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=2102259&num_registro=202000079827&data=20230502&formato=PDF. Acesso em: 18 jun. 2025.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4275/DF. Rel. Min. Marco Aurélio. Julgado em 1 mar. 2018. Diário da Justiça eletrônico, Brasília, DF, 20 abr. 2018. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=7492645. Acesso em: 18 jun. 2025.
BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018.
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2008.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Volume 1: Teoria Geral do Direito Civil. 38. ed. São Paulo: Saraiva, 2023.
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2024.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Volume 1: Parte Geral. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2024.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: parte geral. 20. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2023.
MADALENO, Rolf. Direito de Família. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2023.
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Curso de processo civil: parte geral. 11. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023.
MEDEIROS NETO, Elias Marques de; MACHADO, Pedro Antonio de Oliveira. Princípio da cooperação no processo civil. Revista Thesis Juris, São Paulo, v. 5, n. 1, p. 163-191, jan./abr. 2016.
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Efetividade do processo e técnica processual. Revista de Processo, São Paulo, v. 20, n. 77, p. 168-176, jan./mar. 1995.
NAGAO, Paulo Issamu. A garantia da duração razoável sob a perspectiva da efetividade do processo civil: o contexto da Itália em face da Corte Europeia de Direitos Humanos. Publicações da Escola Superior da AGU, Brasília, v. 2, n. 29, 2013.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Volume I. 25. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022.
PIAIA, Thami Covatti; BECK, Cesar; BOFF, Murilo Manzoni. Direito da personalidade e proteção da imagem post mortem: desafios e perspectivas frente à inteligência artificial e à ressurreição digital. Revista de Direito Civil Contemporâneo, v. 10, n. 36, p. 33-66, 2023.
RICOEUR, Paul. Si mesmo como outro. 3. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2021.
RODRIGUES, Maria Eduarda Isacksson Bastos; COSTA, Vanuza Pires da. Alteração de prenome e o princípio da dignidade da pessoa humana. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação, v. 10, n. 3, p. 88-102, 2024.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.
SCHIMIDT, Silva Helena. Desafios na tutela dos direitos da personalidade no Brasil: análise da efetividade do CPC/2015. Revista Brasileira de Direitos da Personalidade, Maringá, v. 2, n. 1, p. 144-161, 2024.
SCHREIBER, Anderson. A mudança tem nome: notas sobre a Lei 14.382/2022. JOTA – Coluna do Anderson Schreiber, 28 jun. 2022.
SILVA, Ana Cristina Lopes da. Mudança do prenome e gênero de pessoas transgênero e os negócios jurídicos. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação, São Paulo, v. 9, n. 11, p. 2825-2840, nov. 2023.
SILVA, Helton Junio da.; LOPES, Fernanda Agnes; PIRES SENA, Juliana Rodrigues; MENDES PAULA, Luisa de Oliveira. A desjudicialização da alteração do nome civil: inovações da Lei 14.382/2022. In: Caminhos da justiça: explorando o mundo do direito 2. Belo Horizonte: Atena, 2024. p. 1-21.
STOLZE GAGLIANO, Pablo; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Volume 1. 7. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2023.
TAYLOR, Charles. As fontes do self: a construção da identidade moderna. 2. ed. São Paulo: Loyola, 1997.
WATANABE, Kazuo. Acesso à justiça e efetividade do processo: novos caminhos. Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo, n. 21, p. 11-27, dez. 2004.
Downloads
Publicado
Como Citar
Edição
Seção
Licença
Copyright (c) 2025 Luiz do Carmo Cleto Rocha Filho

Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivatives 4.0 International License.
Esta é uma revista de acesso livre, onde, utiliza o termo de cessão seguindo a lei nº 9.610/1998, que altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais no Brasil.
Autores que publicam na Revista Brasileira de Filosofia e História (RBFH) concordam com os seguintes termos:
O(s) autor(es) doravante designado(s) CEDENTE, por meio desta, cede e transfere, de forma gratuita, a propriedade dos direitos autorais relativos à OBRA à Revista Brasileira de Filosofia e História (RBFH), representada pelo Grupo Verde de Agroecologia e Abelhas (GVAA), estabelecida na Rua João Pereira de Mendonça , 90 Bairro Petropolis em Pombal - PB doravante designada CESSIONÁRIA, nas condições descritas a seguir: 1. O CEDENTE declara que é (são) autor(es) e titular(es) da propriedade dos direitos autorais da OBRA submetida. 2. O CEDENTE declara que a OBRA não infringe direitos autorais e/ou outros direitos de propriedade de terceiros, que a divulgação de imagens (caso as mesmas existam) foi autorizada e que assume integral responsabilidade moral e/ou patrimonial, pelo seu conteúdo, perante terceiros. O CEDENTE cede e transfere todos os direitos autorais relativos à OBRA à CESSIONÁRIA, especialmente os direitos de edição, de publicação, de tradução para outro idioma e de reprodução por qualquer processo ou técnica através da assinatura deste termo impresso que deverá ser submetido via correios ao endereço informado no início deste documento. A CESSIONÁRIA passa a ser proprietária exclusiva dos direitos referentes à OBRA, sendo vedada qualquer reprodução, total ou parcial, em qualquer outro meio de divulgação, impresso ou eletrônico, sem que haja prévia autorização escrita por parte da CESSIONÁRIA.