Blockchain nos registros públicos: desafios constitucionais e civilísticos à descentralização da fé pública
DOI:
https://doi.org/10.18378/rbfh.v14i2.11471Palavras-chave:
: Regulação digital; Descentralização tecnológica; Fé pública; Delegação estatal.Resumo
A presente artigo discute os desafios constitucionais e civilísticos decorrentes da incorporação da tecnologia blockchain aos registros públicos brasileiros, especialmente no que tange à possível descentralização da fé pública notarial e registral. Fundamentada no art. 236 da Constituição Federal de 1988, a fé pública é atributo essencial do sistema registral, conferindo presunção de veracidade, autenticidade e legitimidade aos atos praticados por notários e registradores. A proposta de utilização da blockchain, tecnologia caracterizada por descentralização, imutabilidade e consenso distribuído, desafia esse modelo ao sugerir a substituição da confiança institucional pela “confiança algorítmica”. O estudo demonstra que, embora a blockchain ofereça avanços em segurança da informação, transparência e eficiência, sua adoção irrestrita sem observância ao ordenamento jurídico vigente implicaria inconstitucionalidade, sobretudo pela ausência de controle estatal, responsabilidade jurídica e respeito às formas legais exigidas para determinados atos. Outrossim, a pesquisa evidencia que aspectos como proteção de dados, validade dos contratos inteligentes e imputabilidade por danos exigem regulamentação. Conclui-se que a tecnologia blockchain deve ser integrada de forma complementar, e não substitutiva, ao sistema registral brasileiro. Para tanto, recomenda-se a criação de blockchains permissionadas operadas por cartórios, sob supervisão do CNJ, bem como a formulação de marcos regulatórios específicos. A pesquisa propõe uma reconfiguração da fé pública como confiança regulada, articulando inovação tecnológica e segurança jurídica, projetando novos paradigmas para a atividade notarial e registral na era digital.
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