Identidade digital e a autonomia privada: reflexões constitucionais e civis sobre o reconhecimento notarial de pessoas no meio virtual

Autores

DOI:

https://doi.org/10.18378/rbfh.v14i2.11472

Palavras-chave:

Autodeterminação informacional; Reconhecimento remoto; Proteção de dados pessoais; Governança algorítmica.

Resumo

O presente artigo discute, sob enfoque constitucional e civilista, os desafios e perspectivas do reconhecimento notarial remoto na era da identidade digital. Com o advento de atos normativos como os Provimentos nº 100/2020 e nº 149/2023 do CNJ, os serviços notariais passaram a operar também no ambiente virtual, baseados em tecnologias como biometria, certificados digitais e blockchain. Com isso, esse processo projeta o notário como agente de confiança em uma arquitetura algorítmica e gera tensões entre a preservação da autonomia privada, a proteção de dados pessoais e o direito fundamental à identidade. Nesse ínterim, a pesquisa parte da concepção dogmática da identidade como atributo da personalidade, reafirmando sua centralidade frente aos riscos de apropriação indevida, profiling abusivo e despersonalização algorítmica. Utiliza-se metodologia jurídico-dogmática com base em revisão bibliográfica crítica e análise documental. O estudo percorre quatro eixos principais: (1) a configuração jurídica da identidade digital, com destaque para sua dimensão relacional e informacional; (2) a estruturação normativa e técnica do reconhecimento notarial remoto; (3) as tensões constitucionais entre identidade, privacidade e autodeterminação informacional; e (4) os desafios regulatórios à fé pública digital. Conclui-se que a virtualização notarial deve ser acompanhada por uma governança híbrida e transparente, capaz de compatibilizar inovação tecnológica com segurança jurídica e proteção da dignidade humana. Propõe-se, dessa maneira, a consolidação de um ecossistema identitário descentralizado, centrado no usuário e sustentado por normas interoperáveis, sob a mediação do notariado como instância ética e institucional de verificação da verdade jurídica no século XXI.

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Publicado

2025-06-25

Como Citar

Hanke Neto, E., Machado, L. G. G., Rocha Filho, L. do C. C., & Brunialti, K. V. (2025). Identidade digital e a autonomia privada: reflexões constitucionais e civis sobre o reconhecimento notarial de pessoas no meio virtual. Revista Brasileira De Filosofia E História, 14(2), 1107–1116. https://doi.org/10.18378/rbfh.v14i2.11472